sexta-feira, 21 de maio de 2010

Novo comercial para da Copa da Nike

Posto de forma rápida, para não perder a novidade: a Nike lançou um novo comercial para a Copa, dirigido por Alejandro Iñarritu (21 gramas e Babel). A versão de 3 minutos está aqui, no site do AdAge: http://adage.com/article?article_id=144010. A estrutura da peça é meio comunzona, mas ótimas sacadas no seu desenvolvimento e muitas soluções técnicas espetaculosas. Porém, não se trata do "melhor comercial da Nike jamais feito", como sugeriu o diretor de marketing da companhia, Trevor Edwards. De qualquer forma, li os comentários de gosto e desgosto no site e fiquei interessado na opinião dos americanos sobre o futebol e sua magia, em vésperas de Copa na África. Um dos que mais gostei foi esse aqui, que transcrevo:

Nice- terrific work from W&K and NIKE (always).

Interesting fact: Even when I was down in Haiti, playing a pick-up game of soccer on a dirt and limestone field, with a bunch of barefoot kids in tattered clothes that didn't speak English– those kids understood the word "Ronaldo", and knew exactly who he was! : )
How that happens when many of them don't even have electricity, let alone a television or computer is quite astonishing.
At the root is the global phenomenon that is soccer and the universal appeal of athletic competition. Like music, art and love of family, it is one of those ways we naturally connect across geographic and cultural boundaries.
Beautifully played out in this spot.

Tim Hamby


Talvez o que o comercial sirva é para demonstrar a dimensão planetária do jogo, as almas e os interesses envolvidos, o que uma Copa do Mundo representa em termos de celebração de um esporte mágico, goste-se ou não se goste dele, do Ganso e do Neymar.

***

Às vezes me pego pensando se o Dunga tem a verdadeira dimensão de sua parcela e parte nesse mecanismo. Sinceramente acho que não. Ao deixar os meninos em casa e levar o Kléberson, pode até estar fazendo o que é corretamente justificável pela sua "coerência", inclusive tática. Mas deixa o espetáculo muuuuito mais pobre. Neste sentido, não é interessante que o futebol brasileiro esteja representado por um jogador que nem vai à África do Sul? Certamente porque, além de ter contrato com a Nike,  o Ronaldinho Gaúcho cataliza na sua figura como nosso futebol é reconhecido internacionalmente.

***

Ontem, ao buscar meus filhos na escola, voltei a pé e passei pelo meio do shopping. Como forma de acalmar e descansar a molecada, passei na loja da Nike para eles verem as camisas das seleções. O pequenininho (4 anos) se agarrou numa mini-bola do Brasil e está desde ontem em campanha para ganhá-la ("é só 40 reais, papai; passa no banco, pega o dinheiro e compra pra mim"). Empregos, muitos deles, dependem de frases como essa.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O Editor! O Editor!

Todos os meus alunos de Produção Publicitária em TV e Cine sabem que um lugar que adoro é a ilha de edição. Eita lugar mágico, com máquinas e ar refrigerado de quebrar ossos, um sujeito meio corcunda sentado em meio a fitas e gravadores, computadores e imagens. Sei editar, mal e porcamente, e talvez até por isso admire ainda mais o trabalho desses sujeitos anônimos que dão forma final a peças publicitárias, filmes hollywoodianos e, inclusive, vídeos de batizado apresentações para o pessoal de RH. O Editor tem uma relação íntima com o som e com a imagem em movimento e, quando competente, as organiza com cola feita de sensibilidade e emoção. Em muitas peças que vejo na tevê e no cinema, tenho vontade de clamar: O Editor! O Editor! (de quem raramente sabemos o nome).


Segunda-feira depois daquele meu check-up para as coronárias, que foi o jogo do Santos no Pacaembu, cheguei em casa na hora do almoço a tempo de ver só o finalzinho do Globo Esporte. Confesso que me tornei fã do Tiago Leifert, depois de acompanhar um início meio claudicante, perneta total, na implantação de uma proposta para um programa de esporte (e futebol!) que queria ser diferente dos demais, antenado na linguagem e no estilo da molecada, audiência majoritária e disponível na hora do almoço. O “novo” Globo Esporte que vai ao ar só para São Paulo, do qual o Tiago é editor chefe começou no ano passado, muito mal, com o apresentador sem saber onde colocar as mãos direito, sem saber como se movimentar no cenário. Mas aos poucos ele foi ganhando espaço, domínio e naturalidade. Hoje é sem dúvida a melhor coisa do jornalismo esportivo e acentua diferenças, explicita como são patéticos esses programas em que senhores gordos, por trás de bancadas, esbravejam e gesticulam, sem qualquer graça, num formato que parece estar há séculos petrificado na tela da TV Gazeta. Com certeza uma das maiores qualidades do programa, além da criatividade das pautas, a irreverência e o bom humor no tratamento de coisas chatas como jogos que não valem nada, são as edições de imagens das matérias.
Pois então, voltemos ao início dos comentários. Na segunda feira, depois de deixar meus filhos na escola, só consegui ver o finalzinho do programa, dois minutos do que me pareceu ser um brilhante vídeo para o encerramento do campeonato paulista. A matéria mostrava uma música disco, anos 70, e a letra: dance with me, com um pout-pourri das apresentações johntravoltianas de Robinho, Neymar, Ganso, Madson e companhia. No mesmo dia comecei a procurar a matéria na internet e no youtube e nada aparecia. No dia seguinte o site globoesporte.com disponibilizou o material. Veja em: http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Times/Santos/0,,MUL1586168-9874,00.html. Alunos: apreciem o trabalho de um grande editor, pois se trata de uma lição profissional. Santistas: vejam e arrumem um jeito de baixar e guardar, tenho certeza que vocês vão se emocionar e muito. Torcedores de outros times: me perdoem, mas esse vídeo é a prova irrefutável de que o Santos faz bem para o futebol e que torcer contra essa molecada, desejar que o Santo André seja campeão, é crime de lesa-pátria, já que grande parte do que faz o Brasil é o reconhecimento do futebol bem jogado. Palmas para o editor: amigo nem sei seu nome, mas que trabalho soberbo você fez. Vou usá-lo em aulas e aí está seu maior mérito: sua matéria servirá para ensinar futuros alunos sobre o que é a competência da sua profissão: provocar emoção, riso, pensamento; documentar, marcar, estabelecer em pouco tempo, minutos, uma história que demorou meses para ser contada. Humildemente, aceite meus parabéns.

***

Queria aproveitar para contar uma história profissional minha na Band. Uma vez propus ao pessoal da Rádio Bandeirantes fazer um vídeo sobre o futebol no rádio, com o propósito de usar em vendas, em apresentações, em eventos. Confesso que parte dessa estratégia tinha ver com minha paixão por transmissões esportivas no rádio, que herdei do meu pai e seu radinho de pilha. No fundo o que queria fazer era um documento sobre como se faz uma transmissão esportiva, para mostrar, demonstrar e guardar. O Carboni, diretor geral da rádio, aprovou e toda a equipe da RB se envolveu. Escrevi um roteiro bem legal, que começa no dia do jogo, com a equipe indo para o estádio puxar cabos, instalar equipamentos, depois mostra o Silvério e o Mauro Beting chegando e se preparando para trabalhar, documenta o trabalho dos repórteres em volta do estádio (no caso era um Santos e Corinthians), mostra a relação entre o pessoal da técnica e da retaguarda durante a transmissão. Colocamos uma câmera na cabine, uma em volta do estádio e outra no estúdio do Morumbi, com o Sérgio Patrick e o Zaidan acompanhando os resultados da rodada (eu fiquei lá no estúdio, no dia das gravações). O vídeo final ficou muito bonito, especialmente pelo trabalho do editor (e eu nem sei o nome dele). Ficou emocionante, divertido, plástico. E aumentou em muito a auto-estima do pessoal da RB, que assistiu sua apresentação na redação, todos emocionados. O Carboni me disse que foi a primeira vez que gravaram em vídeo o Silvério gritando um gol. Pois depois, na ilha de edição, quando apresentei para o vice-presidente da Band (dessa figura é melhor, realmente, esquecer o nome), o talzinho me disse: “para que serve isso? Para vender? Para mostrar para alguém? Isso aqui é uma porcaria, dinheiro jogado no lixo”. Quando vi o material do Globo Esporte lembrei do vídeo da RB e sorri de satisfação em saber que marcas se constroem com emoção, com subjetividade, com aspectos mais profundos do que um mero desfile de gráficos e vantagens. Longa vida e sucesso aos bons editores e àqueles que têm coragem de ousar com o som, com a imagem e com o movimento. Como Neymar, Ganso, Robinho e companhia. Let’s Dance!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Did you learn anything?



O escândalo que ele protagonizou deve se repetir incansavelmente pelos subúrbios norte-americanos: a esposa descobre as puladas de cerca do marido e sai correndo atrás dele com tacos de golfe em punho, até fazê-lo bater com o carro, possante SUV, em um poste.Tudo bem se a esposa não fosse uma sueca estonteante e o marido fujão não fosse o mais bem pago esportista do mundo, cuja imagem é associada a muitos interesses econômicos. De tacos de golfe a roupas esportivas. De cartões de crédito a lâminas de barbear. De pacotes de TV por assinatura ao mundo das apostas.  Daí vem a verdadeira caçada ao tigrão pela mídia, com relatos de amantes, lugares e situações, sem tréguas, sem fim, processo no qual o índice de audiência dos telejornais e programas femininos da tarde, a venda vertiginosa de jornais sensacionalistas e revistas de fofoca, serviram como combustível infindável. Uma purgação que parece ter encontrado termo na semana da Páscoa, o renascimento judaico-cristão, no qual nosso personagem retoma o esporte e as marcas se aproximam novamente de sua imagem.
Podemos então passar para o comercial, singelo. Veiculado na semana passada especialmente no mundo da internet e da disseminação viral de arquivos e endereços para visualização: Tiger Woods encara a câmera de frente, que dá um imperceptível zoom out para tentar verificar a emoção dos seus olhos. Em off a voz de seu pai morto diz: “I am more prone to be inquisitive, to promote discussion. I want to find out what your thinking was, I want to find out what your feelings are, and… did you learn anything?” (Estou mais propenso a ser curioso, a promover debate. Eu quero descobrir qual era o seu pensamento, eu quero descobrir quais são seus sentimentos e... você aprendeu alguma coisa?). Corte para o swoosh da Nike. Basta? O jovem mestiço, de pele escura, que assombrou o esporte de brancos de olhos azuis e de campos gramados paradisíacos em alguns dos lugares mais bonitos do mundo, cumpriu a via sacra da dor, da humilhação, da exposição pública de suas mazelas sexuais? A imagem da esposa e dos filhos foi suficientemente repetida? A Nike pode novamente patrocinar o bonezinho que ele usa em suas entrevistas e aparições públicas? A descompostura paterna, diretamente da tumba, serve como toque final para o massacre do indivíduo compartilhado pelas massas?
A dimensão humana da questão parece ser acessória. Falamos das celebridades. Aquelas pessoas que têm evidência no mundo da mídia de massa e que atraem a curiosidade dos demais sem-fama. Pela sua capacidade de capturar a atenção e associar empresas e ofertas a aspectos valorizados por nossa sociedade (a superação, a predestinação, o sucesso, a vitória) elas recebem boladas impressionantes de todos nós. Sim, não são os patrocinadores que pagam os salários de Tigers e LeBrowns, de Ronaldos e Robinhos. Somos nós que pagamos. Centavinhos a cada latinha de Brahma, a cada salame Seara, a cada tênis com aquela logomarquinha que parece uma boca sorrindo e que se associa às asas da vitória, da deusa Nike. Nós e nossa fixação patológica pela vida alheia. Nosso mundo e a necessidade contínua de construir e desconstruir heróis modernos. Os Dourados e Serginhos, as Mulheres Samambaia e os Cearás da vida agradecem nosso interesse.
De todos os comentários sobre o processo vivido pelo Tiger Woods, recomendo a leitura desse artigo aqui: http://www.theglobeandmail.com/news/opinions/good-for-nikes-dead-dad-ad/article1528340/. O colunista oferece uma visão muito interessante, recorrendo à religião do pai de Tiger (budista) e refletindo sobre o puritanismo hipócrita de uma sociedade na qual cada vez mais adolescentes ficam grávidos(as) (inclusive a filha da musa da extrema direita cristã, a Sarah Palin). O autor (Rick Salutin) busca estabelecer contrapontos entre a visão européia (“é só sexo!”) com a necessidade histórica que os norte-americanos têm de camuflar sua sexualidade, de sentir vergonha de seu desejo, e de estigmatizar comportamentos desviantes. Em casos assim é difícil estabelecer verdades absolutas. Vivemos em um mundo no qual padres e papas pedem desculpas, enquanto a Nike e o Tiger Woods veiculam comerciais em tom fúnebre. Em algum subúrbio de algum lugar do mundo uma esposa (ou um marido) procura o taco de golfe, enquanto manejam o controle remoto.

quinta-feira, 25 de março de 2010

O que há de errado com esta lata?

Entre tantas discussões sobre aspectos éticos da comunicação de marketing, muito foco tem sido dado às ações de propaganda. Isso é justificável: a propaganda tem maior visibilidade, demanda maiores verbas, faz parte do cotidiano da cultura e também já estabeleceu no seu processo de decodificação por parte do público uma série de mecanismos de defesa que aumenta a posição de resistência da sociedade à sua mensagem e, neste processo, provoca mais discussões. Quero dizer com isso que a maioria das pessoas não está na posição amorfa e crédula, vendo anúncios no meio de novelas e jogos de futebol, babando e com um telefone à mão, prontas para consumir o primeiro abshape que assistirem no intervalo da Gazeta. Tá bom, você pode contra-argumentar me falando de uma certa tia Ederwiges que comprou abshape no último mês apesar dos seus 84 anos e seus 145 quilos, com o propósito de adquirir uma barriga tanquinho, que nem a do Giovanni do vôlei. Reconheço que essa é uma longa discussão e muito trabalho acadêmico tem que ser feito sobre o assunto. Porém também acho há uma crítica exagerada que tende a colocar o anúncio como bode expiatório dos pecados de nosso modo de vida, no primeiro plano do mundo darthvaderiano da sociedade de consumo. Pelo que leio de muitos coleguinhas e analistas, especialmente das Sociais, aquele personagem lá d’O Senhor dos Anéis, que encarnava o Mal absoluto, o Sauron, na verdade tem negócios no mundo da comunicação de marketing. Sauron & Vader, por sinal, seria ótimo nome para uma agência.
O que gostaria de evidenciar nesta discussão é que as pessoas prestam mais atenção aos pecados e bobagens que a propaganda faz inclusive porque possuem um senso crítico mais desenvolvido para estas bobagens e pecados. Como disse nuns posts aí abaixo, agências e anunciantes até mesmo exploram essa situação, aoveicularem campanhas bem discutíveis, preparados para fazer do processo que vão tomar no Conar uma forma de repercussão estratégica para o “arrojo” de suas marcas.
Porém, quando dedicamos muito foco para a propaganda, podemos deixar de olhar para outras ações e esforços que talvez merecessem atenção mais detalhada e muito mais discussão. À medida que as demais disciplinas da comunicação de marketing (Relações Públicas, Eventos, Patrocínios, Design, Marketing Digital, Promoção de Vendas, Marketing Direto) ganham em relevância, profissionalismo e uso estratégico, mais pecados e bobagens são cometidos e maior atenção também deveria ser dedicada a estas ações.
Não sou a favor, como alguns legisladores especulam de forma insistente, do banimento total da propaganda de bebidas alcoólicas, já que a sociedade permite sua comercialização em ambiente legalizado. Dei, inclusive, uma declaração a respeito deste assunto no caderno Aliás d’O Estadão (veja o link aqui: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,o-que-pensam-os-especialistas,281961,0.htm). Defendo, entretanto, uma postura ética e uma vigilância crítica aos esforços destes praticantes de marketing EM TODO TIPO DE AÇÃO QUE DESENVOLVAM.
Pegue por exemplo a imagem da lata da Brahma que está à disposição em todas as melhores gôndolas do ramo. O que há de errado nela? Alguém prestou atenção à ligação descarada que se estabelece entre a bebida alcoólica e uma instituição esportiva nacional, a seleção brasileira de futebol, às vésperas de Copa do Mundo? Talvez não sejam muitos os que vejam pecado na união estabelecida entre esporte e a latinha com 4,8% do volume em álcool. Ora, que mal há, se a cerveja é patrocinadora das transmissões, mantém placas nos locais dos eventos, tenha entre os garotos de propaganda jogadores, técnicos e ex-jogadores? E pergunto em contrapartida: não é quase a mesma coisa que colocar a foto do Ronaldão ou do Robinho sorridente no rótulo da garrafa de pinga? Ah, a questão da graduação alcoólica é fator importante e a cerveja é bebida social, alguns pés-de-cana, de lata na mão e um bom pedaço de picanha assada entre os dentes, poderiam argumentar. Conto com sua reflexão e bom-senso, caro leitor e companheiro de churrasco, para estabelecer os limites e restrições para ações desse tipo.
No meu ponto de vista, há muito problema sim. Se o produto fosse tão inofensivo não haveria tanta campanha do tipo “se beber não dirija” e os botecos da periferia não teriam que fechar suas portas em certo horário como forma de desestimular a violência. Se não houvesse problemas em promover produtos que exigem reflexão para o consumo, o cigarro não seria tão condenado pelo esforço que fez em ligar sua imagem ao esporte. Se a discussão sobre o estímulo ao consumo do produto não fosse tão relevante, certamente não seria proibida a venda de cerveja no próprio estádio.
Posso desenvolver toda uma tese acadêmica, com pesquisa empírica etc. etc. sobre a admiração que crianças mantêm com o futebol e seus personagens, as relações intuitivas entre sua paixão e o produto que a sustenta, o qual, pelo seu lado, se vale do ambiente comunicativo para estabelecer posicionamento. E então poderia demonstrar a ponte que se estabelece entre a adolescência e a experimentação de um produto que, em última análise, deve ser consumido “com moderação”, sendo que os adolescentes são o epicentro de coisas como torcidas organizadas e violência.
Colocar a marca da seleção na embalagem desse produto é golpe baixo. Se a CBF, entidade de interesse público mas de direito privado, não vê problemas nisso, a sociedade deveria enxergar.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Felipe e a pipoqueira honesta

Eu e meu filho de 8 anos gostamos de ver jogos do Santos no estádio, desde faz tempo, desde quando o centroavante era o Kléber Perde-Gol Pereira, o que significa que não somos adeptos de qualquer oba-obismo. Gostamos do nosso time, na alegria e na tristeza. É claro que, como consumidores-clientes do entretenimento e da paixão, ficamos ainda mais satisfeitos quando vemos shows como o do domingo passado. Ele, por exemplo, perdeu o terceiro gol do massacre (Santos 9 X Ituano 1) porque estava fazendo xixi.  Mas teve pelo menos mais uns 6 pra ver e se divertir.

Um fato da jornada esportiva de domingo me chamou a atenção e me motivou a escrever no blog, para servir como exemplo das relações éticas, de memória e de formação de valores de um indivíduo desde a infância.

Há umas rodadas atrás (bem lá atrás, dia 17 de janeiro, Santos 4 x Rio Branco 0) fomos ao Pacaembu e compramos pipoca. Na hora de pagar eu tinha só uma nota de R$ 20 e a pipoqueira não tinha troco. Ela ficou meio atrapalhada e me disse: “olha, vou ali trocar e depois trago o dinheiro”. Levou minha nota. E eu fiquei ali esperando meus R$ 12 de troco (sim, uma pipoca em estádio custa R$ 4). Passaram-se 10 minutos. Nada. Passaram-se 20 minutos, comecei a pensar no troco como “perdas a contabilizar”. Pois mais uns 5 minutos se passaram e lá veio nossa pipoqueira, meio humilde, pedindo desculpas, com meus R$ 12 na mão. Falei assim para o meu filho: “Viu só? Ela é honesta. Demorou, mas trouxe nosso dinheiro”.

Corta a cena para o dia 21 de março. Felipe e papai no mesmo setor do estádio. Lá no meio daquele monte de gente meu filho me falou assim: “papai, olha lá a pipoqueira honesta”. Ele a reconheceu de longe, talvez de olho no pacote de pipocas depois de ter tomado seu sorvete regulamentar. Chamei a moça. Perguntei: “você se lembra da gente? Outro dia você ficou de trazer o troco, demorou,  mas trouxe”. Ela confessou, meio tímida: “não lembro, não senhor”. Disse eu:  “Pois meu filho se lembrou de você. Ele me disse: papai, olha lá a pipoqueira honesta. Por  isso vamos comprar de novo contigo”. Vi que ela ficou confusa e mais sem jeito ainda. Falou para o Felipe, meio emocionada: “Obrigado, garoto. Não é todo mundo que traz o troco de volta, verdade”.  Compramos pipoca a extorsivos R$ 4 o pacote. Mas acho que meu filho ganhou uma importante lição para a vida e desenvolveu, mesmo que inconscientemente, um valor que gostaria que ele passasse para os meus netos, se um dia eu tiver esse privilégio de ver minha descendência no Pacaembu ou na Vila gritando Santooooooooos! (e, se eu posso pedir mais coisas ainda, vendo esse nosso time do futuro marcando 9 gols).

sábado, 6 de março de 2010

Restaurant Week

Na porta do elevador mamãe terminando de arrumar os brincos, o menininho de 4 anos atrás:
- Onde vocês vão? Quero ir com vocês.
- Papai e mamãe vão sair. Criança pequena não pode ir.
- Vocês vão ver Avatar? Quero ir com vocês.
- Não, não vamos ver Avatar.
- Então onde vocês vão?
- Vamos num lugar.
- Qual lugar?
- Chama AK Delicatessen.
- Acá dequicatessen?
Papai e mamãe vão tentar jantar, na sexta feira à noite, estimulados por esse esforço de marketing de serviços, a Restaurant Week. O papinho é sempre o mesmo: menus com entrada, prato principal e sobremesa a preço fixo de R$ 39,90 em alguns restaurantes importantes e charmosos (entre muitos outros não tão convidativos, inclusive muitas pizzarias). Na verdade esse é sempre o chamariz, lá no restaurante o que acaba prevalecendo é o cardápio vistoso, carta de vinhos, e lá vai nosso equilíbrio econômico-financeiro para o buraco. O evento é meio cópia de coisas semelhantes que acontecem em Nova York, em Los Angeles e outras cidades européias.
Nossa dúvida era entre a Vinheria Percussi, La Vecchia Cuccina ou o restaurante judaico chic AK Dequicatessen, como diria o filho número 2. Escolhemos esse último porque fica perto de casa e porque sempre quisemos experimentar o cardápio, de tanto que passamos lá na frente. Ajudou muito na decisão as fotos do site. Dava vontade de mastigar o monitor. Tentamos ligar muitas vezes para reservar mas o telefone dava direto na caixa postal. “Iiiiih, será que eles não trabalham na sexta-feira... não é dia de descanso judaico?”. O Guia do jornal disse que não; o restaurante, já disse, é judeu contemporâneo.
Ficamos de encontrar um casal de amigos lá e rumamos pra Consoleta, a nova região charmosa de São Paulo ao lado do cemitério da Consolação, com muitos restaurantes, que fica cada vez mais parecida com a Recoleta de Buenos Aires, também com restaurantes e mesinhas emoldurando com vida o lugar onde mortos descansam. Aí começa a lição do marketing para refletirmos. Eventos desse tipo servem para estimular demanda, mas será que quem participa está preparado para o que vai acontecer com jornais, revistas e sites bombando e chamando consumidores? Parei o carro e perguntamos para o manobrista “tem muita espera?”. “Meia horinha, doutor, mas se quiserem perguntar deixa o pisca alerta ligado”. Sra. Esposa vai até lá e volta com a informação: meia hora que nada, a previsão era de uma hora e meia de espera. O manobrista solícito-até-demais começa a influenciar no funcionamento do mercado: “Doutor, se vocês preferirem tem um restaurante bem bacana vizinho, bem bom mesmo, eu levo o carro!”. Eu confesso que sou meio reticente com essas indicações, ando um pouquinho com o carro e mais à frente ligo para os amigos que estão vindo. Vindo? Não, eles já chegaram. Sim, o restaurante está lotado, eles já sabem. O manobrista indicou um restaurantezinho bacana aqui do lado pra eles também. Eles já foram. Bem, estamos indo pra lá.
Muitos praticantes de marketing enfrentam isso todo dia: estimulam a demanda mais do que deveriam, criam expectativas que não podem atender e esses consumidores que, então, passam para seus concorrentes. Podemos ver a coisa pelo lado positivo: que bom que pessoas estão consumindo, que bom que novos restaurantes tenham a chance de ser provados e que bom que o manobrista ganhe sua comissãozinha (mas eu queria mesmo era comer aqueles pratos maravilhosos que tinha visto na tela do computador).


Becco 388 (R. Mato Grosso, 388) é um novo restaurante bem bonito (40 lugares, mais ou menos), decoração descolada, cujos donos - depois procurei no gugou – são dois chefs jovens que trabalharam em noviorque.
Alguns comentários sobre o restaurante e sua comida: o serviço poderia ser um pouquinho mais discreto, menos “vendedor”. Detesto esses couverts que se resumem a um pedacinho de manteiga e dois pãezinhos minúsculos e que custam R$ 8. Tá bom, a comida é contemporânea, mas a fome é renascentista. Melhor pedir entradas, então. Nossos amigos elogiaram por demais as massas (papardelle) e a Sra. Esposa gostou do risotto de costela, tirando o excesso de cebolas empanadas por cima, que ela detesta (a cebola). Eu fiquei feliz com meu milanesa com purê de batata doce, se bem que o bife poderia ter ficado um pouco mais sequinho e mais macio. A conta foi honesta e a noite uma delícia, com um casal de amigos que gostamos de montão, falando de filhos, de restaurantes e de viagens, como todos paulistanos em noites de sexta-feira, evento que faz um pouco da magia da minha cidade. Destaque para a participação especial, argentina ,de um Masí Paso Doble e um Luigi Bosca Malbec Reserva, tintos. Mais Consoleta impossível.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Devassidão

Já que o tema pulula na mídia pós-carnaval e interessa para quem estuda comunicação de marketing, seguem reflexões desordenadas sobre Paris Hilton e a bebida alcoólica derivada da fermentação de cereais que deveriam ser maltados.

Devassa era uma marca maravilhosa, com o espírito do boteco carioca. Para quem não teve o privilégio de tomar umas olhando a praia no Rio de Janeiro, fica o saboroso slogan: “aqui se faz, aqui se bebe” (eu queria ter criado). Na verdade nunca soube direito se era um boteco espetacular no qual se servia boa cerveja ou se era uma excelente cerveja que se bebia num ambiente muito legal.


Aí a Schincariol comprou. Na sua política de incorporar cervejas Premium e diversificar o portfólio, cujo carro-chefe é uma marca que faz muita espuma mas nunca engrenou como sinônimo de qualidade, os empresários de Itu entraram firme e abarcaram a Baden Baden de Campos de Jordão e a Devassa carioca. Pensei comigo, na época... “iiihhhhhhh”.

Vamos então à campanha. Paris Hilton é sempre chamariz. Mas como disse um dos fundadores originais da marca sobre a campanha, o trade-off envolvido foi a perda da carioquice da marca. Devassa e Paris Hilton deveriam combinar bem. Ou, como eu pergunto em sala de aula, há ajuste de compartilhamento simbólico entre celebridade e marca? Loura, sem-vergonha, bonita. Pelo menos uma coisa é garantida: vai chamar atenção.

O programa de comunicação integrada foi muito bem realizado pela agência Mood. Embalagem especial, ponto de venda especial, relações públicas a serviço do marketing, com quilômetros de centimetragem em mídia, filme ousado na tevê e – como brinde – Paris Hilton de vestido transparente e calcinha fio dental de quatro no camarote do Carnaval carioca para os fotógrafos se esbaldarem. Pura devassidão.

Problemas surgem quando concorrentes, ongueiros e outros cidadãos entram no Conar reclamando do excesso de erotismo associado a campanha para vender bebida alcoólica. Públicos jovens adolescentes expostos a estas campanhas podem ser estimulados, por meio do apelo sexual, a consumir um produto do qual se espera consciência e reflexão no consumo e nas campanhas que promovem o consumo. Belo discurso na teoria, é claro. Mas na prática é só a Devassa que faz isto? E os milhares de anúncios com gente meio pelada na praia e cantoras de axé convidando pra farra regada a cerveja? Isso pode?

(Parênteses: quer coisa mais condenável do que a lata da Brahma com o escudo da CBF? Pense na relação esporte, em época de copa do mundo,, e álcool que existe nisso).

O Conar é um mal necessário. E é sempre reativo. Ele age depois que a campanha foi ao ar. Se não fosse assim, seria censura (proibida em nossa Constituição). Se não fosse assim, facilitaria em muito a vida da concorrência. O Conar é um belíssimo discurso da autorregulamentação e da maturidade do setor, ao qual o publicitário sempre recorre quando acuado. Mas se a questão fosse muito mais séria, a campanha já teria ido ao ar e causado o impacto irreversível, faz é tempo.

Bem, o que descrevi lá em cima como sendo problema, na verdade é tudo o que uma marca chamada Devassa poderia esperar. Mais quilômetros de centimetragem e debates sobre a campanha. Boca a boca. Repercussão. Se possível regados a cerveja. A grande malandragem é que a expectativa da proibição do Conar já implicava numa estratégia. Tinha até filme preparado para entrar no ar pós-suspensão.Ishperteza pura.

A questão central continua a mesma, com ou sem proibição do filme pelo Conar. A coisificação da mulher como pedaço de carne para vender cerveja. Há um tempo atrás houve outra pérola: a Kaiser distribuía tampinhas com fotos de mulheres, como promoção para compra do produto. Quer coisa mais discutível do que oferecer coleção de foto de mulher em tampinha pra marmanjo comprar cerveja? Mais açougue impossível. Fora o uso do apelo sexual pra qualquer coisa. Daqui a pouco teremos desfiles de lingerie para vender plano de saúde. Mulheres de baby doll para vender salgadinho.

Há por fim aquilo que ninguém fala, mas que todos sabemos: o comercial da Devassa não pode, certo? Mas se a gente fizer um comercial com monges e freiras rezando e colocar no Pânico, no Big Brother Brasil ou em outro programa com gente de bunda de fora, aí pode?

Para completar, fico com o que o genial Tutty Vasquez escreveu hoje no Estadão: quando a Devassa lançar a cerveja escura, a campanha terá Naomi Campbell? E não deveríamos abrir um Programa de inclusão universitário nos moldes dos Pro-Unis da vida para as louras burras? Cartas para a redação.

(P.S.: nada disso faz sentido se as vendas dessa cerveja não empinarem. Se no ponto de venda o consumidor continuar comprando outra marca, tudo isso foi só ressaca de carnaval).

quarta-feira, 3 de março de 2010

Meu amigo da escola é um macaco

As ficções e futurismos do séc. XIX – capitaneadas pelo meu querido amigo de adolescência, Julio Verne – são brilhantes em vários aspectos de previsões sobre tecnologias (viagens espaciais, controle genético, submarinos), porém estas obras nunca conseguiram ao menos passar perto do que seria a vida na sociedade de massa.
Parece-me que o que escapou à ficção e às análises filosóficas do passado aquilo que verdadeiramente caracteriza o espírito de nosso tempo: a intermediação da vida por meios de comunicação de escala massiva. Em “Admirável Mundo Novo”, um dos meus livros preferidos que especulam sobre o futuro (e escrito no séc. XX por Aldous Huxley) há até a previsão de uma droga - sim, um comprimidinho tranquilizador – administrada e distribuída pelo Estado chamada soma, mas não me lembro de referências a shows da Ivete Sangallo nem ao Xou da Xuxa. Este é um contexto esquisito, com o qual eu sempre me assombro quando paro para refletir sobre os motivos que levam pessoas com o cerebelo altamente desenvolvido e o polegar opositor a organizar seu dia-a-dia em torno de fenômenos como as votações do Big Brother Brasil. Ou então o que justifica milhares de pessoas em simultaneidade dedicando tempo e atenção a coisas como o Programa Raul Gil. Tempo livre, ociosidade, necessidade de entretenimento e diversão, é claro. Mas deve haver formas melhores, eu imagino, do que banheiras em que atores se estapeiam por sabonetes, enquanto câmeras se posicionam ginecologicamente para deleite das audiências (sim, eu sei que esse quadro já está fora do ar, mas ele serviu só como ilustração patética de nossa condição).
Desenvolvemos uma vida arranjada em torno de um centro no qual estão dispostos receptores de ondas eletromagnéticas (ou então transmitida via cabo de fibras ópticas), aparelhos que delimitam o espaço para convivência da família. Em salas e quartos de tevê neste momento estão instaladas telas das quais jorram uma vida-de-fora-da-vida que ao mesmo tempo é a própria vida. Instantânea, simultânea, porém plástica, distanciada, artificialmente emoldurada para nos dar a sensação de que construímos e participamos de tudo isso que está aí, mas que ao mesmo tempo não temos nada a ver com isso. Voltarei ao assunto dia destes, mas como exemplos prosaicos podemos pensar no William Bonner falando boa-noite ou então em um jogo de futebol presenciado em estádio e a diferença de de assisti-lo pela televisão. Quem costuma ir às pelejas e depois volta correndo pra casa, ansioso para ver o vídeo tape, com replays, zooms e câmeras lentas, nunca deixa de se assustar com a impressão de que se tratam de dois eventos diferentes entre si, apesar de serem a mesma coisa.

Os desenhos animados constituem-se em outro fenômeno exemplar da vida contemporânea. Quando passo ali pela sala de tevê e vejo meus moleques aboletados no sofá em dia de frio, e escuto o espaço de suas vidinhas preenchido por vozes caricatas e ao mesmo tempo familiares, sempre me interesso pelo efeito, pela vivência e pelo sentido dos filmes que passam pela infância deles e comparo com os efeitos, as vivências e os sentidos dos filmes que passaram pela minha infância. Reflito sobre como eles se constituem em sofisticadas peças destinadas ao adestramento infantil; à inserção no mundo deles de valores sobre o que é o Bem e o que é o Mal; à aceitação da violência como forma legítima de constituição da sociedade; das relações ideológicas de justificativa do Poder; da presença de seres míticos que assustam e personificam a alteração do status quo; da condição contrária, na qual a Força está polarizada em figuras que podem defender o estado das coisas quando um alienígena resolve pisotear nos arranha-céus das Metrópolis que construímos de verdade e em nossas imaginações. Também não posso deixar de reconhecer como estes pequenos dramas da cultura contemporânea são divertidos, engraçados e engenhosos. Hoje por exemplo vi um episódio da série do Cartoon Network que se chama “Meu Amigo da Escola é um Macaco” (My Gym Partner’s a Monkey, criação de Timothy Cahil e de Julie McNally Cahil, de 2008). Vejam só o enredo da série: um menino (branco, wasp) tem o sobrenome alterado (de Lyon para Lion) por alguém que digita no computador e, desta forma, é transferido para outra escola (parecem ser os últimos anos do ensino fundamental) na qual, tirando ele, todos os demais alunos são animais. Claramente uma metáfora da transferência da escola particular, bonitinha, do subúrbio americano, para a escola de pobres, latinos, negros e estudantes desviados do mundinho padronizado. Esta é a escola Charles Darwin (opa!), na qual o Adão (Adam Lyon, é o nome do personagem com referência bíblica) trava amizade com um macaco-aranha (Jake), malandro, cuja principal diversão é bater na própria bunda. Tem também a cobra com camiseta (genial), a girafa, o diretor Sapão, a enfermeira Gazela e os professores (no episódio de hoje um mandril meio hippie tentava explicar sobre espaço vital e a importância de manter contato olho a olho). Ah, o episódio também contava a dificuldade que um dos amigos (o Wilson Gorila) tinha em lidar com uma fêmea que queria um encontro com ele. Gorilas são fiéis em suas relações e o personagem tinha muito medo de iniciar um relacionamento para toda a vida, sendo ainda adolescente. Por isso se escondia todo o tempo, inclusive dentro da barriga da cobra. O desenho acaba com ele aceitando melhor a convivência com a namoradinha (que lê um livro chamado Gorilla’s Bride, ou A Noiva do Gorila). O desenho é esquisitão mas tem bom roteiro, é engraçado e, pelo que li, não teve muito sucesso e já foi até descontinuado. Porém ideologicamente carregado de sentidos e ajusta-se perfeitamente a uma visão de mundo no qual crianças brancas são o centro e as demais são engraçadas, divergentes e meio abobalhadas. Este é o mundo que jorra da televisão, à qual meus filhos assistem e riem, assim como eu assisti e ri com outras coisas parecidas e, apesar disso, ainda posso escrever o texto que termino de escrever.


P.S.: Se quiser pensar melhor a respeito das cargas ideológicas dos gibis e dos desenhos animados, recomendo “Para Ler Pato Donald”, livro escrito por Ariel Dorfman e Armand Mattelart ali em 1976 (a última edição que conheço é de 2002, da Paz e Terra), que procura demonstrar todas as ilações ideológicas possíveis de serem identificadas na leitura de uma mera revistinha da Disney. Como o fato dos patos assexuados só terem sobrinhos (nunca filhos), viverem eternamente noivos, do respeito que todos os personagens dedicam aos milionários avaros e mais velhos, os quais representam o ideal de riqueza e poder. No contexto dos estudos de comunicação latino-americanos, Dorfman e Mattelart mostram que as tensões entre Bem e Mal, Justiça e Injustiça, n’O Pato Donald assumem um ponto de vista capitalista, liberal e modelado pelo estilo de vida norte-americano. É meio datado o livro, mas muito legal. Teve inclusive sua circulação restrita nos Estados Unidos, por causa de processos legais da Disney.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A agência de propaganda e a fervura do sapo

O paradigma do sapo fervendo está a pleno vapor - que me perdoem o trocadilho com a temperatura do verão. Para quem não conhece, a história é a seguinte: pegue uma panela, encha com água. Acrescente um sapo (vivo). Leve ao fogo e veja o que acontece (por favor, faça isso hipoteticamente para que este blog não tome processo das sociedades de proteção ao sapo e simpatizantes). O sapo morrerá porque ele é um bicho isotérmico, isto é, adapta a sua temperatura à do meio ambiente. Desta forma, elevará continuamente sua temperatura para adaptar-se ao aquecimento e não perceberá que sua batata está assando aos pouquinhos (vou escrever sobre o negócio da propaganda, mas isso também vale para o ser humano na relação com seu planeta).

Muitas organizações que vivem e dependem das formas de comunicação tradicional, que imperaram até meados dos anos 90, são como nosso desafortunado e hipotético sapo. A panela de pressão que vem cozinhando veículos de comunicação e agências de propaganda é produto de diversos fatores convergentes, como a fragmentação dos meios (gente demais lutando pela atenção do consumidor e pelas verbas do anunciante), aumento exponencial de custos, novas tecnologias de produção, difusão e acesso de conteúdo, novas necessidades de informação, entretenimento e serviços e, como decorrência, novos hábitos de consumo dos meios. O telespectador/consumidor é um público-alvo em movimento, difícil de atingir. Ele muda de canal sempre, sem dó nem piedade, não está nem aí para o break no qual foram investidos milhares (e até mesmo milhões) de reais em produção e veiculação. Ele não sabe direito o que é ler notícias em material físico, porque cada vez mais acessa o mundo no seu próprio ritmo por meio de terminais da internet em sua casa, pelo celular, na hora que preferir. Ele é cético, é exigente, tem consciência de seus novos direitos que chegaram com os Códigos de Defesa do Consumidor. Ou seja, está ficando complicado imaginar uma estratégia baseada em meios tradicionais de comunicação, alicerçada em mídia de massa e na propaganda. O problema desta equação é que o sustento de meios como jornais, revistas, rádios e televisões é feito, de forma prevalecente, pela propaganda. Em um futuro próximo a questão que se propõe é esta: se aquilo que todos estes veículos têm para vender está perdendo valor para o anunciante, quem pagará a conta? A reposta parece que passa pela transformação das formas e dos canais de abordagem do público, ou seja, pela internet e pelas possíveis novas formas digitais de difusão de programação (rádio e televisão), por novos formatos de anunciar e promover como os tie-ins e pelo product placement, pelo aumento da importância de ferramentas como as relações públicas e patrocínios. Minha aposta são as redes sociais mediadas por formadores de opinião. Mas cuidado aí com exercícios de futurologia: há 15 anos atrás meu livro do Kotler na faculdade de administração não tinha uma única citação à palavra internet e ainda tem muita água para rolar debaixo da ponte, numa velocidade alucinante, se é que em algum momento esta mudança se estabilizará.

Como derivada desta transformação dos hábitos do público e da corrida acelerada dos meios para reinventarem-se como negócio, está a agência de propaganda. Hoje no Adage.com há um comentário, “3 predições sobre o futuro da agência”, escrito por Al DiGuido, profissional ligado à área de serviços digitais, que vale a pena ler e refletir sobre o negócio da comunicação (o link é este aqui: http://adage.com/agencynews/article?article_id=142257). De forma geral ele propõe o seguinte: convergência de meios, quantificação de tráfego e de resultados e exigências de auditoria; a diminuição das estruturas para aumentar agilidade; novas denominações funcionais, terceirização de tecnologia e mudanças radicais nas abordagens estratégicas. A frase que mais gostei no artigo foi: “a análise orientará a estratégia e não vice-e-versa”. Essa discussão é enorme, dá para escrever um livro sobre o assunto e mesmo assim oferecerá a sensação de um cego tateando o que julga ser um cenário de futuro. E acho que faltaram pontos importantes no artigo do Mr. DiGuido: financiamento dos meios e remuneração dos prestadores de serviço. A única coisa certa é que nos modelos de mídia comercial, como os que imperam no Brasil e nos Estados Unidos há chuvas e trovoadas pela frente. Sobreviverão as organizações que perceberem a fervura antes e planejarem melhor os seus saltos. Se você trabalha na área, seu emprego está nesta discussão, camarada. Preste atenção na panela.


***

Por falar em sapos, na imagem aí do lado estão os sapinhos da Budweiser. O filme original mostrava cada um deles coaxando uma das sílabas da marca e foi um retumbante sucesso na televisão norte-americana, inclusive com o genial comercial dos sapinhos nas costas do jacaré entrando no bar para tomar umas. Mas a agência (Goodby, Silverstein & Partners) teve uma sacada ainda melhor e incluiu dois lagartos e uma doninha na trama, um deles o impagável Louie, the Lizzard. O resultado foi a série épica quase shakesperiana, com fama, inveja, intriga, tentativa de assassinato e muito bom humor que ficou no ar por meses. Uma das campanhas mais memoráveis de todos os tempos. Que também recebeu muitas críticas porque os bichinhos simpáticos poderiam estimular a atenção e o interesse de crianças e adolescentes para um produto alcoólico. Veja o rolo completo, com 18 comerciais, em http://www.youtube.com/watch?v=zV-yGp4l8B8. Cada vez que revejo, rio um pouco mais.

A Magia da Pixar

Faz muitos anos que não vou à Mostra de Cinema de São Paulo, da qual já fui assinante e habitué (não é fácil ser pai e professor). Na minha época, uma das coisas mais legais da Mostra era o zum zum zum dos corredores, o boca-a-boca dos aficcionados que indicavam qual o filme ninguém podia perder, mas que não necessariamente constava de listas ou de críticas de jornal. Em uma destas Mostras, acho que lá no final da década de 80, a sessão imperdível que todo mundo comentava era a que apresentaria curtas de uma nova companhia especializada na animação por computador, tendência que certamente impactaria o futuro do cinema. O buzz era que estavam fazendo coisas muito legais não só tecnicamente. Eles faziam roteiros revolucionários. Na sessão no antigo cine Majestic (atual Espaço Unibanco), em meio a outros, foram apresentados dois trabalhos desta nova produtora: um deles era o “Luxo Jr.” (1986), que mostrava a relação de uma luminária maior e mais velha (mãe ou pai, não se sabe direito) com uma luminariazinha filhote, entusiasmada com brincadeiras de bola, além do curta “O Sonho de Red” (1987), que retratava a melancolia dos pensamentos do monociclo vendido na liquidação em uma loja de bicicletas, sonhando com a grandeza de um passado (ou de um futuro)no palco, ao lado de um palhaço. Que curtas! Ah! E o nome da produtora era Pixar
Sou fã dos caras. Neste exato instante em que escrevo o post, meus dois filhos estão ali na sala, assistindo ao DVD com uma seleção de curtas da Pixar (Pixar Short Films Collection, Vol. 1, 2007, Disney/Pixar, 55 min.). O pequeno adora o “Jack Jack Atack” (2005) que mostra o que acontece com o bebê Jack, d’Os Incríveis, naquela cena que não é mostrada no enredo do longa metragem, quando ele está sozinho com a babá. O maior prefere o curta “Geri’s Game” (1997), no qual um velhinho joga xadrez consigo mesmo, alterando personalidades enquanto muda de lado do tabuleiro, para falar de solidão, numa clara referência ao Bergman. Eu gosto de “O Novo Carro de Mike” (2002), sobre os dois monstros amigos experimentando um novo carro, no qual não conseguem dominar direito todos os botões que podem apertar no painel. Pixar é magia pura, técnica e artisticamente. Eles revolucionaram a animação, fizeram alguns dos maiores sucessos de bilheteria dirigidos à família toda, vêm jantando a Disney em termos negociais e ainda enfrentam com competência o surgimento de diversas concorrentes que singram no rastro de inovação e de qualidade que eles inauguraram na produção audiovisual.
O livro A Magia da Pixar de David Price (Elsevier, 2009) foi meu companheiro na estadia das férias, e nele o autor tenta contar, pelo ponto de vista empresarial, como a Pixar se tornou o que é. Para quem ama a Pixar ou tem grande interesse pela produção audiovisual, o livro é imperdível, mas acho que ele não é leitura fácil para todos os demais interessados apenas no universo artístico da obra capitaneada pelo John Lasseter, seu diretor de criação. O texto também tem graves problemas de tradução (o que seria animação por célula? Não seria animação por frame ou quadro-a-quadro?) e o autor se empolgou com a quantidade exagerada de meandros jurídicos e contratuais envolvidos. O David Price é jornalista de negócios e se perde um pouco na quantidade enorme de personagens que passam pela história da Pixar, que aparecem do nada no livro, não merecem o devido aprofundamento psicológico, e depois desaparecem na trama, sem deixar rastros.
Porém a história da companhia é saborosa: um projeto de uma vida toda que começou no princípio da década de 1980, a partir do entusiasmo de uma galera especialista em computação liderada pelo Prof. Dr. Edwin Catmull, um acadêmico da área de softwares. Ao longo de muitos percalços, quase-falências, mudanças geográficas (das universidades do meio-oeste para uma escola em Nova Iorque, no qual tiveram o apoio de um milionário idealista; de lá para o Vale do Silício, bem pertinho da indústria cinematográfica), a liderança inspirada do Prof. Catmull conseguiu atrair muitos talentos em torno de si, na formação de um negócio que apresentava-se, na sua fachada, como companhia voltada ao desenvolvimento de softwares e de hardware especialista para animação por computador (sim, chegou a existir um computador Pixar). Porém, o que ninguém sabia, é que eles sempre alimentaram o sonho de produzir longas e por isso mantiveram anos a fio uma divisão de desenvolvimento de curtas com a desculpa de que, com isso, testavam a tecnologia. Nesse departamento trabalhava um artista demitido da Disney, que tinha umas idéias diferentes em termos do que fazer com o equipamento: John Lasseter. Ano a ano, os curtas apresentavam a evolução técnica que eles alcançavam. O livro também conta como o George Lucas (Guerra nas Estrelas) comprou a companhia para desenvolver tecnologia para seus longas de ficção científica e oferecer serviços para a indústria cinematográfica; como ele perdeu muito dinheiro antes da Pixar voltar-se para o mundo dos comerciais animados; como a companhia foi vendida na bacia das almas (US$ 5 milhões) para o Steve Jobs, depois de ser oferecida pra deus e todo mundo; como Jobs também tomou muito prejuízo antes de conseguir um contrato de coprodução com a Disney para o lançamento do Toy Story (1995), o filme que mudou a história do cinema recente. Jobs é personagem fundamental e o teimoso visionário - e nem sempre ético ou bem humorado - que viu o potencial do que os caras faziam.

***
Não é fácil o mundo dos negócios. Há uma linha tênue que separa o grande sucesso do fracasso estrondoso, como o livro mostra. Se hoje o Lasseter tem uma pequena ferrovia em tamanho real, na sua propriedade na Califórnia, pra brincar de trenzinho enquanto pensa em filmes, durante anos ele precisou trabalhar escondido na Pixar, porque o Lucas não podia saber o que ele fazia numa companhia que deveria ser composta só por técnicos. Foram décadas de perseverança e de talento desde o primeiro curta (The Adventures of André & Wally B. , de 1984, que tem no DVD, de qualidade meio tosca, para os padrões atuais - veja a imagem aí ao lado) para chegar até aqui, nas vésperas do lançamento do Toy Story 3. Magia garantida para crianças como eu e meus filhos.

P.S. O Lasseter revelou, segundo o livro, que no Luxo Jr., o adulto é um luminário, logo pai.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

George Lois, o Edmundo da Propaganda

Geralmente a criação em propaganda pode ser dividida em duas fases: antes e depois da DDB. No final dos anos 1950, início dos 1960, a pequena Doyle, Dane & Bernbach americana fundou uma abordagem criativa diferenciada, um divisor de águas na qual a campanha da VW (Think small) representa seu melhor exemplo, peças que misturam discurso comercial com um apelo à inteligência do receptor, abordagens que fogem do lugar comum da “matéria prima de qualidade e o melhor valor para você”. Da DDB nasceram campanhas como as da Avis (We try harder) que estabeleceram personalidade para as marcas e serviram para que o Al Ries e o Jack Trout identificassem um conceito central do marketing moderno, o posicionamento. Ou seja, aquilo que foi desenvolvido de forma intuitiva no mundo da prática foi sistematizado pela teoria para uso geral a partir da década de 1970, até chegar a coisas como branding e tal. Enfim, eu tenho que fazer um post só sobre minha admiração pelo Bill Bernbach e o trabalho de sua agência, mas não cabe aqui.


Um dos profissionais que trabalharam na DDB bem no início de sua carreira e que depois saíram para construir sua própria agência e que é dono da reputação de enfant terrible (como se dizia bad boy há algumas décadas) é o George Lois. O livro The Mirror Makers, de Stephen Fox (minha edição é da Illini Books, 1997) conta um pouco da história desse diretor de arte que trabalhou na DDB e que mereceu o seguinte comentário do próprio Bill Bernbach: “A única coisa errada com você, George, é que sua mente está no saco”. De família grega, crescido no Bronx em uma vizinhança irlandesa, Lois estudou no Pratt Art Institute e saiu da DDB para fundar sua primeira agência em 1960, com Fred Papert e o redator Julian Koenig (que escreveu algumas das melhores peças da campanha da VW) a Papert, Koenig, Lois. Esta agência fez peças como a que mostro aí do lado, para a vodka Wolfschmidt, na qual a garrafa de vodka tenta seduzir um tomate dizendo que, juntos, eles podem fazer excelentes Bloody Marys (clique na peça para vê-la ampliada). Em outra peça, publicada uma semana depois, a mesma garrafa chega junto numa laranja e diz assim: “bonequinha, gostei de você. Você tem sabor. Eu vou fazê-la famosa. Me beije!”. No que a laranja responde: “quem era aquele tomate que eu vi contigo na semana passada?”.

Nas várias agências nas quais foi sócio, George Lois ficou famoso por sua abordagem não muito ortodoxa no ambiente de trabalho, no qual se relatam cenas de pugilato entre equipes de criação e profissionais mijando em lay-outs não aprovados. Várias acusações de desvio ético na apropriação de idéias alheias são relatadas, inclusive no verbete sobre ele na Wikipédia. Mas poucos profissionais mereceram tanta atenção e reverência na fundação de um estilo moderno de se desenvolver campanhas persuasivas. Lois também ficou (muito) famoso pela série de capas que criou para a revista Esquire, que recentemente mereceu uma exposição no MoMA, dentro daquele conceito que que o design editorial e a propaganda são formas específicas da cultura do século XX, fenômeno que James Twitchell vai chamar de AdCult.



Uma frase atribuída a Lois e relatada no livro de Fox fala da visão que certamente ainda impera no departamento criativo da propaganda sobre os clientes, normalmente chamados de “eles”, os mais viscerais adversários no sentido de dar vida a peças que desafiam o senso comum: “Eles nunca vão entender porque nós trabalhamos 14 horas por dia e eles nunca vão entender a liberdade que precisamos em nossa maneira de trabalhar. Eles não gostam da forma pela qual trabalhamos, a maneira que falamos, a maneira que nos vestimos. Eles não sabem nada sobre propaganda ou como a melhor propaganda é criada. Eles botam nosso negócio pra baixo”.

***

Enquanto escrevo esse post lembro-me de quem me apresentou ao livro com o trabalho de George Lois, assim como a todas as peças da campanha da VW foi o meu querido amigo Anibal Guastavino, com quem tive o privilégio de formar dupla de criação e compartilhar a mesma mesa de trabalho por um ano e meio, mais ou menos. O Anibal foi uma grande influência na minha carreira e na forma como enxergo a propaganda e a comunicação de marketing. Ele (me) faz muita falta.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

"Querida, eu te amo (quase tanto quanto a bola)"



O que fazer se o Dia dos Namorados cai exatamente no dia de jogo importantíssimo do campeonato? A Puma e a sua agência Droga5 de Nova Iorque têm uma ótima sugestão: chame a galera, ligue a câmera e grave uma belíssima canção do Savage Garden que ela adora. Depois coloque num site e mande por email. Ou, como diz o comercial que você encontra em http://creativity-online.com/work/puma-hard-chorus-lovefootball-uk/18851, faça sua cara metade saber o quanto você a ama (na verdade, tive a impressão que a cara metade desses sujeitos é redondinha e costuma rolar no gramado... ou então é gelada e feita de cevada). (Veja o comercial para ler o resto).

***
Esse comercial é parte da campanha Love=Football da Puma e bom indicativo de como a propaganda atual busca integração entre mídias, datas, oportunidades (o Valentine’s Day foi dia 14 de fevereiro). O tempo da peça é de 2 minutos e tem uma outra versão não tão inspirada para o público italiano. A produção é razoavelmente simples, tirando a quantidade enorme de figurantes. Para os alunos de Produção de Vídeo: analisem a atuação do conjunto. É sempre muito difícil fazer muita gente atuar ao mesmo tempo, sem algum tipo de falha (uma careta, um desvio de olhar... em algum momento tem um lá que olha pro lado, encontrem). Pensem também nos dois figuraças que abrem a peça. Eles são as âncoras emocionais que dão o tom necessário para a ironia do discurso que vem a seguir. Uma das decisões difíceis para o diretor. Para os alunos de marketing e propaganda: o interessante da ação é a estratégia de combinar TV e internet para gerar boca-a-boca. Imagine, para o caso brasileiro, se fossem torcedores de cada time, com as camisetas? Quanto vocês acham que seria o efeito viral (o efeito multiplicado do reenvio de mensagens endossadas por amigos e outras pessoas do seu relacionamento) alcançado? Enfim, minha única crítica é que ficou um pouco comprido e que o final mereceria ter uma sacada mais divertida para ficar memoravelmente perfeito. Mas, francamente, Savage Garden ninguém merece.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Lula, quem diria, preferência até em Wall Street.

Perca algum tempo lendo essa matéria da bloomberg (http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=20601109&sid=aV6rdv4v6jqk&pos=10). Para quem tem mais de 40 e viu Braços Cruzados, Máquinas Paradas, usou estrelinha com alfinete no peito nos tempos da ECA nos anos 80 como eu, é até engraçada a defesa do nosso Presidente e de sua candidata Dilma Roussef por parte de fundos de investimento norte-americanos, no supra-sumo da mídia de finanças e negócios do mundo. Os financistas torcem abertamente para que nada mude em termos de política monetária, taxa de juros e evolução dos valores dos títulos do governo brasileiro, pelos quais a Pimco (Pacific Investment Management Co.) pagou US$ 0,42 em 2002, os quais valem US$ 1,33 atualmente. De acordo com a matéria, Serra tornou-se perigoso, porque pode alterar a condição atual de valorização dos investimentos destes senhores. Ainda mais depois da entrevista do genial presidente do PSDB nas páginas amarelas da Veja, dizendo que, caso o seu partido ganhe, vão mudar tudo. Do jeito que se encaminha a peleja, o governador de São Paulo vai ter que imitar o atual presidente e escrever sua própria versão da “Carta aos Brasileiros”, dizendo que se eleito tudo continua como está... taxa de juros, crescimento da economia, bolsas-tudo, Olimpíadas e Copa do Mundo. Ora, a pergunta do eleitor pode ser a seguinte: se não vai mudar nada, porque então vou mudar de partido no poder? E aí está a armadilha da campanha de 2010. Fora o tom, que certamente vai ser um dos piores dos últimos certames (podem me cobrar depois), o grande desafio será: como Serra pode estabelecer diferenças, sem colocar em risco tudo aquilo que aí está e que é valorizado pelas pessoas que vivem melhor e que costumam se esquecer que parte das conquistas do presente dependeram do desempenho dos governantes do passado? Uma questão de comunicação, é claro. Mas também uma questão de percepção política. Eu vou ficar de olho no encaminhamento destas estratégias.

Não, este blog não vai entrar na seara das preferências políticas, mesmo porque pretendo ter leitores de todos os partidos. Só queria compartilhar com vocês algumas reflexões a respeito do marketing político. Parênteses aqui: marketing político não é comunicação política somente, como muitas pessoas por aí tendem a assumir. Marketing significa desenvolver uma oferta de valor para públicos-alvo, no caso os eleitores que trocarão seu voto por uma perspectiva de exercício de poder. Implica em pesquisa, elaboração de um programa (o produto, cuja visualização é o candidato), passa pela comunicação, pela distribuição desta mensagem e pelos meios de contato (redes sociais serão o tópico quente de 2010), até chegar à troca propriamente dita: ou seja, voto na urna. E tem também o pós-venda, que é o próprio mandato. E já que acabou o Carnaval, rufem os tambores que os blocos agora vão pra rua.

***

Hoje o site do Advertising Age resolveu comentar o comercial do Google (veja a crítica em http://adage.com/garfield/post?article_id=142107). Nada muito profundo, tirando a sugestão sutil daquilo que disse aqui no blog, com todas as palavras. O Google está precisando de um choque de charme.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Da série: “Isso não deu pra colocar no meu Lattes”



De vez em quando monitoro o que envolve meu nome na rede mundial de computadores. Já vi de tudo: um bandido alagoano homônimo, um rapaz que gosta muito da Brittney Spears. Atenção, detratores: esses daí não são eu.
Mas tem uma coisa que sempre vejo na internet envolvendo meu nome que me deixa bastante incomodado. Uma versão reproduzida a partir do site da Transamérica sobre a criação da logomarca do Tesão, que fiz por volta de 1986. Certamente este foi um de meus trabalhos de maior visibilidade e importância o qual, infelizmente, não posso colocar no currículo Lattes (pra quem não sabe, o Lattes é uma forma de comparar a produção dos professores e pesquisadores em termos de atividade acadêmica e não oferece muito espaço para o esforço da prática, o que é uma pena).
Então quero aproveitar a oportunidade para contar minha versão dos fatos e também para lembrar um pouco da história da Transamérica, da qual fiz parte por 8 anos. Talvez isso ajude os que procuram entender como uma equipe extremamente talentosa ajudou a fazer uma rádio inexpressiva se tornar um fenômeno de audiência, mais de 2 anos em primeiro lugar no Ibope, antes de ser devolvida ao limbo em tempos recentes.
Tudo começou com a nomeação de um executivo do Banco Real (o dono da Transamérica é o Aloysio Farias, fundador do banco) para avaliar e quem sabe vender a rede que não dava muito certo em todo país, apesar das excelentes praças nas quais estava presente: Brasília, Salvador, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Também pudera que não desse certo: a rádio era péssima, gravada, tocando música sem sabor e com locuções sem nenhuma personalidade (música mais velha, do tipo Tony Bennett, mas sem muita liga, brilho ou estilo). Em São Paulo a Transamérica ocupava o 14º lugar, entre 16 (as duas últimas sempre são a USP FM e a Cultura FM). Esse executivo se chamava Calil Bassit e sua maior qualidade era não entender nada de FM. Pois o Calil foi lá e pediu uma oportunidade ao Doutor Aloysio de fazer daquele negócio uma fonte de lucros. Ao recebê-la, o Calil se cercou de gente talentosa e constituiu-se no pilar, na alavanca de construção dessa marca, durante toda sua longa carreira à frente da Rede Transamérica, que chegou a estar presente em mais de 40 praças no Brasil, ao vivo e em tempo real, muito antes da internet.
Pela Transamérica passaram muitos profissionais de qualidade. Serei injusto, com certeza, mas lembro da influência do Marcelo Braga, do Luiz Flavio Guimarães, do Ricardo Henrique, do Acácio Costa, do Fernando Martos, os quais foram se integrando ao time e construindo a magia de uma rádio voltada ao público jovem, escrachada, bem humorada, com uma plástica diferenciada, com muito humor e cara de pau. Um fenômeno, do qual temos muitos ecos por aí no dial em todo o País (um dia volto a este assunto). Cheguei até essa equipe por meio de um dos primeiros coordenadores artísticos da Transamérica, o Luiz Fernando Magliocca, o qual por sua vez tinha conhecido na implantação do projeto da 89 FM, a rádio rock, logo depois de minha saída da Folha. O Magliocca é fera em rádio. E me convidou para ajudar na criação da personalidade dessa rádio jovem que o Calil queria fazer, em termos de comunicação.
Um dos maiores desafios em rádio é dar a personalidade visual para um produto que é só audição. E a logomarca antiga da Transamérica fazia jus à sua programação: era um arco em cinza e preto com pessoas reunidas em torno de um balcão, com algumas notas musicais e o nome escrito embaixo. Ou seja, negava todas as recomendações de uma marca: ter visibilidade, ser fácil de reproduzir (ampliar e reduzir) e de lembrar. O desafio então, era fazer uma logomarca jovem, bem humorada, escrachada e que fornecesse a dimensão visual para uma emissora que queria jantar as concorrentes (no caso e na época a Cidade FM e a Jovem Pan que, me perdoem os aficcionados, sempre tiveram péssimas logomarcas). Esse foi um grande desafio, para o qual desenvolvi mais de 20 alternativas, junto com o Gilberto Yudi. Para fazer a marca de uma rádio jovem, não mirei no que normalmente todo mundo fazia: copiar ou “inspirar-se” em logomarcas de rádios norte-americanas. Para pensar na marca da Transamérica pensei no público jovem, masculino, irreverente. E para isso fiquei pensando em bandas de rock e em logomarcas de loja de surf. Foram pelo menos 10 dias em busca de adesivos em carros, em lojas de shopping centers e muito rabisco. Até que veio a inspiração do “Tesão” como palavra-conceito, com grande força pela associação à sensação do prazer sexual e à primeira letra do nome de uma rádio que tem 12 letras (e na qual era proibido falar muito em “Transa”, que o Doutor Aloysio nem o Calil gostavam).
Então fiz assim: cores fortes (amarelo,vermelho e preto). Um quadro em volta pra indicar limite e um padrão de bolinhas repetitivas em preto sobre um fundo amarelo (os gozadores lá do Rio sempre me lembravam que a logomarca tinha parecença com o emplastro Sabiá). Em cima desse padrão de coisas previsíveis, sobrepus um grande “T” em vermelho,com sombra preta, feito a pincel pelo Giba, com a intenção de ser o inesperado, o agressivo, o desafiador do “tesão” de uma rádio que faria história. A tipologia que escolhi era Futura (sem serifa), mas o Calil precisou dar seu toque especial no trabalho (clientes!) e exigiu uma letra serifada (Imperial BT) com a qual se escreveu Transamérica FM, centralizada abaixo. Pelo que consta o seu Aloysio nunca gostou muito da marca (segundo o que me disseram, ele dizia que parecia uma tábua rachada). Mas ele pode ter certeza que a marca caiu em gosto popular e certamente foi um dos adesivos mais reproduzidos na história dos veículos de comunicação no Brasil, gerando uma parte do valor de seu negócio, o qual por sua vez tinha uma excelente programação no ar, consonante com a sua expressão visual.

***

Duas histórias engraçadas sobre o Tesão da Transamérica. A primeira envolve o primeiro lote de adesivos, produzido para carros: fizemos o fundo cristal e o nome da rádio em preto. Não pensamos que o fundo de todo carro é escuro, logo o nome da rádio sumia, apesar do Tesão vermelho sobre fundo amarelo se destacar. Precisamos fazer outro, com fundo em branco.
Outra história engraçada envolve o lançamento da rádio, muitos anos depois, em Belém. Quando estava no coquetel, aproximou-se o dono de uma rede de farmácias, meio constrangido, confessando que teria de trocar a logomarca de sua rede: ele tinha copiado descaradamente o T da Transamérica para as farmácias Tamandaré.

Glória ao espírito irreverente e desafiador. Tenho saudades da Transamérica, 100,1.

Redes Sociais

Existem alguns colegas da área de marketing que não se cansam de fazer listas dos “10 qualquer coisa que você deve...”. Complete as reticências com alguma coisa relacionada a conquistar mercado, atender melhor o cliente, desenvolver estratégias de criação de valor - e por aí vai. O que sempre me incomoda é o desprestígio de alguns numerais. Os números cabalísticos nestas listas são sempre 10, 5, 7 ou 3. Os coitados dos pares (à exceção do 10) - e especialmente o 8, o 6 e o 4 -não têm muita vez e sempre fico pensando quando alguém vai recuperá-los para devolver sua dignidade e auto-estima.
Escrevo sobre isso depois de ler minha coluna fundamental de toda segunda-feira, a do Pedro Dória no caderno Link do Estadão, e também depois de ver uma lista de 10 estratégias em marketing que nem toca na questão das redes sociais. Pois o papo da semana do Pedro é a investida do Google, de novo ele, nas redes sociais com o tal do Buzz que eles lançaram nesta última semana. Na verdade trata-se de uma nova tentativa de dar força ao Google Wave, o qual por sua vez já não tinha funcionado muito bem. De qualquer maneira, o tópico quente (hot issue, na linguagem acadêmica metida a fashion) para quem quer estudar marketing de verdade são as redes sociais. E poucas coisas são mais valiosas hoje em dia do que mapear o chamado “talk of the town”, descobrir do que as pessoas estão falando para então posicionar ofertas ou desenvolvê-las quando elas ainda não existirem. Isso tem muito valor como ferramenta porque fornece o termômetro do caldo cultural. Como antecipar tendências, evoluções, desdobramentos, é cada vez mais importante para quem precisar fabricar coisas. Colocar uma linha de produção em atividade implica em fazer design, protótipo, fazer teste, desenvolver moldes e ferramentas de fabricação, produzir embalagem, desenvolver códigos de barras, formas de transporte e conservação. Neste sentido, numa condição de grande homogeneização das ofertas, quem sabe antes e melhor, pode explorar o mercado em posição vantajosa não somente em termos de valor, mas especialmente em termos de prazos. Então, monitorar as redes sociais é um processo que pode vir a fornecer as evidências necessárias para colocar esse processo em funcionamento. Considere que o tal do Buzz agora pode fazer com que suas conversas online virem arquivos mantidos no email. Certo, tem muita gente aí de cabelo em pé imaginando que não quer arquivar certas coisas que fala pela internet. Mas eu também me preocuparia com a capacidade de uma máquina de processamento cada vez mais poderosa possa utilizar estes dados a serviço do marketing, manuseados por alguém que controle o agregado de todas estas conversas.
O outro ponto da equação do monitoramento da rede social é a identificação dos formadores de opinião, que podemos dividir em trendsetters (aqueles que estabelecem novas modas, novas atitudes, que formam verdadeiramente novas tendências) e os trendspreaders (aqueles que espalham estas novidades, mantendo grande rede de contatos). Ora, quem monitora, identifica. Quem tem os dados pode enviar mensagens personalizadas, pode desenvolver programas especiais de contato e estímulo. E quem vencer a corrida do controle do monitoramento das redes sociais via internet estará em condição específica de superioridade.
Não tem nada de errado em se valer de condições lícitas de concorrência. E toda vez que você aceita os termos de serviços como o Hotmail, o Google e o Yahoo aciona uma tecla lá que (leia o contrato) diz que eles coletam dados pessoais. Mas que tem aí uma coisa de invasão de privacidade que sempre me preocupa, aí tem.
Listeiros: não se esqueçam de incluir esse tema aí nos seus próximos esforços de explicar o futuro do marketing. Vai ajudar a dar um resultado par, que no final das contas era o humilde objetivo deste post.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Vermeer



Em 1995 (a.I. ou seja, antes das facilidades da internet) tinha umas férias para tirar e fui para a Europa (primeira viagem com a futura patroa, precisava impressioná-la), começando mais precisamente em Amsterdam, onde eu tinha o firme propósito de ver o grande acontecimento artístico da estação: a esperada mostra do grande pintor holandês Johannes Vermeer (nascido em cerca de 1632, morto em 1675, em Delft) no Museu Muritshuis em Haia. Pela primeira vez 21 pinturas (das 30 atribuídas ao grande mestre) estariam reunidas num esforço conjunto de museus e colecionadores do mundo todo, entre os quais se inclui a rainha da Inglaterra.
Ledo engano o meu. Quando cheguei ao aeroporto, todas os escritórios de informação turística tinham o seguinte cartaz em seus guichês: “Vermeer is sold out”, como se o pintor que morreu na miséria aos 43 anos, deixando viúva e 11 filhos vivos, fosse um grande astro do rock, com concerto esgotado. Da pretensão original da viagem a única coisa que trouxe, além da paixão por Amsterdam como cidade incrível para se passar alguns dias, foi um estupendo livro comemorativo, meio que catálogo da mostra, que comprei numa livraria e que guardo feito relíquia, em minha estante.
Desde então tenho procurado o Vermeer nas escassas viagens que faço ao exterior, em museus em Nova York (tem quadros no Metropolitan e na Frick Collection), no Louvre (The Astronomer e The Lacemaker), além de revê-lo sempre que tenho vontade nos pixels da internet. Vermeer inclusive ganhou um filme específico (A Garota com Brinco de Pérola) e o grande e enigmático Peter Greenaway fez um filme todo baseado na estrutura de iluminação de Vermeer (em português o filme se chama “Um Z e dois Zeros” e é de 1985).
Por que escrevo isso? Ontem à noite a TV Cultura me chamou enquanto zapeava entre dois joguinhos muito ruins de futebol para ver a explicação do quadro “The Art of Painting”, um daqueles documentários valorosos e bem cuidados da BBC, que às vezes concorrem infrutiferamente com o Big Brother na atenção das pessoas. E o documentário me contou várias coisas que eu não sabia: que esse foi o único quadro dele que a esposa tentou salvar após sua morte, falsificando um documento em que ele o transferia para a sogra. Que o zeloso executante de seu inventário não perdoou , recuperou a tela e a leiloou para pagar dívidas. Que o quadro sumiu durante dois séculos para ressurgir na Áustria comprado por um nobre, por uma ninharia. Que ganhou grande fama e reconhecimento depois da invenção da fotografia, a partir de quando passou a ser possível julgar a qualidade pictórica e realista da inigualável arte de Vermeer. Que depois da invasão alemã de Viena o quadro foi disputado por Goering e foi finalmente subtraído por Hitler e utilizado como exemplo do modelo de arte superior ariana. Que foi preservado subterraneamente numa mina de sal, junto com mais 8.000 obras, para defendê-lo dos bombardeios aliados em Munique, que foi encontrado, nesta mina, num cofre pelos americanos e que hoje está de volta a Viena, como exemplo de como a arte supera a vida dos homens, suas ambições e suas misérias.
Em termos estéticos, a peça é uma obra prima de detalhes, com o uso da luz claro-escuro e de pontos de fuga para criar sensação de perspectiva (há inclusive um furo feito com alfinete logo abaixo da mão da figura feminina, utilizado para esticar barbantes que ajudavam o pintor a construir as linhas ortogonais da perspectivas). Mas a qualidade do quadro vai além de sua técnica. O sublime está na mensagem: o quadro mostra uma modelo posando para um pintor, com uma série de simbologias que retratam a oposição do catolicismo (Vermeer era católico praticante, papista) com o nascente protestantismo. Descobriu-se depois a simbologia relativa aos objetos e vestes da moça retratada: ela posa de Clio, a musa da História, segurando uma trompa (a fama) e um livro (o registro das coisas feitas na vida) e tem coroas de louros (a glória). O pintor só esboçou a coroa de louros em seu quadro que inicia dentro do próprio quadro (uma metalinguagem muito interessante). A glória do pintor (Vermeer) só será alcançada através da história. Assim foi. Assim é. Assim será. Como num frame de um filme do qual o quadro é apenas um instantâneo (comentário maravilhoso apontado por um dos especialistas no documentário).
Quer saber mais? Acesse este site aqui: http://www.essentialvermeer.com
Meu quadro predileto? A Vista de Delft (circa 1660-1661).

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Ah, a música



Quando comecei minha carreira profissional em comunicação, na Folha de S. Paulo, tinha duas horas de almoço, que na verdade a gente acrescentava mais 30 ou 40 minutos, já que normalmente a galera nunca saía do jornal antes das 10 da noite. Então uma de minhas maiores diversões, em companhia do Paulo Tigevski e do Gilberto Yudi, era explorar lojas de disco no centro de São Paulo. Era o tempo de engolir um prato feito na São João ou um sanduíche mequetrefe na 24 de Maio para incursões na Mesbla, Bruno Blois, Breno Rossi, sempre procurando preços defasados pela inflação e ofertas do tipo Clube do Disco da Mesbla (a cada 10 comprados, ganhe um; não importando qual o preço dos comprados e do brinde). Também nessa época descobri as lojas de novidades e de usados, como a Baratos e Afins do Luiz Carlos na Galeria do Rock, a Wop Bop e a Bossa Nova, que depois fizemos até uns trabalhos de propaganda, de tanto amigos que ficamos do dono. Bons tempos de chegar na Folha e a galera babar com minha coleção do Roxy Music em vinil, garimpada na loja de usados, alguns deles importados. Bons tempos em que a gente ia lá no Edgard Discos em Pinheiros para comprar discos pela conservação impecável e pela capa de plástico duro que ele não vendia sobressalente nem a pau, com sua mãe mau-humorada verificando se os clientes não estavam surrupiando os discos (o Edgard depois virou o personagem do filme Durval Discos e é tudo verdade).
Isso implica no fato de que a música sempre fez parte da minha vida e que minha coleção de vinis, bastante debilitada pela minha separação no começo dos anos 90, ainda resiste valente e valorizada aqui na estante de casa (quem tem Unforgettable Fire em vinil, com capa em papel especial? Hein? Hein? Quem tem os LPs do New Order ingleses com as capas mais maravilhosas do mundo?... eu tenho). Também tenho CDs e também tenho MP3s e na minha vida a música sempre toca. No carro, no micro, no iPod. É até estranho ser casado com a Sra. Esposa que é tão silenciosa e para quem música alta é um pouco de sacrifício. Já trabalhei em e para rádios, já conheci artistas, vi um show do Seal para 6 pessoas no Estúdio Transamérica, já fui nos shows mais espetaculares, naquela época em que a música era mais importante do que a cenografia. Mas aí já vira papo de velho, eu sei. (Outro dia fiquei pensando no show mais maravilhoso que já fui na vida: David Bowie no Wembley Stadium em 1987, The Glass Spider Tour e se eu puder dar uma lambuja, o show da Transamérica na Pedreira Leminski circa 1992, com Barão, Paralamas e Titãs e a logomarca que eu criei gigantesca, iluminada, nas paredes do anfiteatro de pedra).
Então, por eu gostar tanto de música, esse blog também fará algumas recomendações. Posso começar? Smoove & Turrell. Procurem (baixem, comprem, vejam no youtube, o que melhor os aprouver) Beggarman e You don’t know. Smoove é o arranjador. Turrell é o cantor com voz de R&B apesar de ser ruivo e gorducho, como todo bom inglês de Newcastle, divisa da Inglaterra com a Escócia (o site da gravadora fala em soul de olhos azuis). Beggarman, inclusive, conta com a aprovação de meu filho Número Dois, de quatro anos, que quando entra no meu carro sempre pede: “pai, quero aquela do yeah yeah yeah”. Aguardo adesões.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O comercial do Google.

Nas minhas aulas eu sempre discuti a possibilidade de se construir grandes marcas sem o uso da propaganda. Starbucks e Google sempre foram os casos mais apropriados para que os alunos visualizassem o poder das redes boca-a-boca e o trabalho eficiente de relações públicas voltadas a marketing sem a necessidade do uso de campanhas multimilionárias com uso de anúncios em mídia. Está certo, sempre é preciso refletir sobre a especificidade dos públicos e a diferenciação dos produtos, mas os casos estavam lá, evidenciados para nossa reflexão.
Minha ex-aluna Larissa Gios me mandou uma mensagem no twitter me chamando a atenção para o fato de que último Super Bowl veio romper com um destes paradigmas: o Google anunciou. Quem quiser ver o comercial, “Parisian Love”, ele está em http://www.youtube.com/watch?v=DxyVpSUw6Kg . É tão simples e despojado quanto o próprio lay-out da ferramenta de busca e conta uma história singela de um amor alimentado e sustentado pela busca no Google (a palavra final, crib, quer dizer berço).
O Super Bowl, para quem não sabe, é o evento publicitário do ano nos E.U.A. Os breaks da final do campeonato daquele futebol esquisito que eles jogam com as mãos são aguardados anualmente tanto quanto o jogo, porque apresentam o que há de melhor na produção de propaganda audiovisual norte-americana. Em primeiro lugar o custo da mídia é astronômico: uma inserção de 30 segundos passa dos 3 milhões de dólares. Em segundo lugar, virou uma tradição que as companhias façam anúncios específicos para este evento e existem até concursos sobre “o melhor comercial do Super Bowl”.
Tenho algumas curiosidades sobre sua exibição. Precisava ver como ele funcionou no contexto do break, em meio aos diversos outros comerciais. Mas certamente sua singeleza forneceu o contraste necessário para comunicar a essência do Google: simples, eficiente, necessário. E também tenha servido para que possamos refletir como esta ferramenta de busca atualmente impacta nossas vidas. Quem vive na internet, não vive sem o Google. De ferramentas de busca a tradutores, de mapas a referências acadêmicas, de emails a jogos, quase tudo está no Google. Não vou nem entrar na discussão relevante (outro dia volto a este assunto) sobre o tamanho deste poder, mas fiquei aqui refletindo sobre o fato do porquê o Google anunciou.
O anúncio certamente não foi feito para criar consciência. Será que existe alguém ainda no planeta que não saiba o que é o Google? Também acho que a dimensão conativa, ou seja, o estímulo à ação, também não esteja em foco. Claro que existe o aspecto do estímulo aos anunciantes do próprio Google (e esta dimensão está bem presente no comercial, prestem atenção na quantidade de links patrocinados que são apresentados e citados na peça). Mas eu desconfio que a dimensão mais importante da mensagem esteja no aspecto emocional. O Google surgiu de forma muito simpática. Criou-se e cresceu no ambiente de mentalidade de custo grátis da internet. Em ambientes dominados por cartéis como a Microsoft, quem não simpatiza por serviços inovadores, eficientes e que não cobram nada? Só que ultimamente o Google anda estendendo seus tentáculos e se tornando a antítese do que era. Existem brigas com o Google na área de direitos autorais, desde que a empresa resolveu digitalizar livros do mundo inteiro sem solicitar permissão a autores; surgiram também problemas de direitos de imagem, quando o Google resolveu mostrar cenas das cidades e de seus habitantes com carros que filmam o que acontece nas ruas o que, muitas vezes, pode constranger pessoas (como no caso do inglês filmado em situação delicada depois de uma bebedeira pelas câmaras do sistema e que foi reconhecido pelos amigos). E há também a dimensão da Google competidora na área de software e de hardware: a empresa agora entrou na área de celulares e de pads para leitura, o que transforma a natureza de sua estratégia inicial e implica num cenário concorrencial em que a marca Google tem que possuir dimensões afetivas e de valor reconhecidas além de seu negócio básico: a busca na internet.
Daí vem a utilidade da propaganda e da mensagem do comercial. Podemos lê-la da seguinte maneira: vejam como o Google é legal, como ele é simpático, como ele é indispensável, como os produtos que levam sua marca são confiáveis. A propaganda convencional, cuja eficiência vem sendo tão discutida nos últimos anos, agradece o reconhecimento de quem nunca tinha precisado da sua força e que até aqui tinha servido como paradigma de sua crescente obsolescência.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Insônia


Desenvolvi recentemente uma péssima mania de acordar de madrugada e vagar pela casa. O problema é que as madrugadas não oferecem muitas atrações quando se deixou de gostar de televisão, ou desgostar o suficiente para não querer ficar babando às quatro da madrugada com controle remoto na mão. Não aguento mais ler. Minhas lentes devem ter progredido um meio grau só depois das correções de provas de dezembro, destas férias estudiosas (14 livros lidos e fichados) e dos diversos muitos artigos que tenho revisado para congressos etc etc. Quanto à rede mundial de computadores que funciona ubiquamente, tenho observado mudanças sérias na minha forma de ver noticiário pós-internet. Tornei-me um viciado no instantâneo e quero as informações acontecendo profusamente, segundo a segundo. E elas realmente acontecem: temos uma legião de big brothers e outros quetais fazendo coisas o dia e a noite inteiros pra que o pessoal do outro lado do monitor observe. Mas de madrugada não temos jogos de futebol. As finanças mundiais ressonam em algum lugar, já que os cofres estão fechados. Algum assaltante especializado deve estar cavando túnel em algum lugar neste momento, mas isso ainda não é notícia. Ouça: uma sirene passa acelerada no meio da noite. Ambulância? Carro de bombeiros? Melhor ligar a internet para ver as notícias da hora.

***

Deixamos o filho Número Um solto livre e lépido pelo hotel-de-praia-nos-cafundós-da-bahia na quarta à tarde para uma leve pestana depois do usual exagero no almoço. Um espírito Hardy Har-Har (a hiena chorante) baixou em mim: "isso não vai dar certo". Uma hora depois batem na porta do quarto: seu filho pisou num cacto lá na praia. Quando cheguei à enfermaria encontrei três monitores e um coitado dum hóspede médico com uma pinça na mão e uns 20 espinhos tirados e colocados ao lado do meninão de 40 kg e olhos vermelhos, fora o berreiro. Duro ser pai em férias nos cafundós da Bahia: nem pronto socorro tem pra gente visitar (se bem que um hotel metido a gente-fina poderia ao menos ter um enfermeiro de plantão). Quase infarto, mas meia hora depois o Mr. Paliteiro-nos-pés (sim, ficaram dezenas de espinhos, pequenos, a retirar mais tarde) estava saltitante na piscina e no dia seguinte jogava bola e manquitolava na quadra. Faz parte de ser criança: pisar em cacto e jogar bola depois. (Clique na foto acima e observe o curativo no pé esquerdo para ver se num é verdade). O corajoso infante voltou a SP com visita marcada no pronto socorro, o que se deu ontem, depois de intensas negociações. Entramos às 15h30. Saímos às 19h30, depois de 3 doses de soníferos, chutes em enfermeiras e na coitada da Dra. Paula (muito simpática e entretida no seu esforço caça-espinho), uma vontade paterna de cometer infanticídio e aliviados de umas 30 pequenas pontas de cacto importadas e transportadas desde a Bahia. Ainda faltam umas 20, mas essas aparentemente serão expelidas por conta própria. Ou não. Neste caso o método papai-tá-puto entrará em ação. Mamãe, me passe o estilete.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Data para o recomeço: sabadão

Sábado pela manhã e o painel de controle da vida começa a listar os compromissos pós-massacre do concurso falido e do final de férias. Agora sim, agora me encontro com metade da tarefa cumprida. Sou professor doutor de nada muito valioso e tenho sonhos de grandeza. Quando li a biografia do Fernando Pessoa me deparei com o retrato destas pessoas comuns que têm sonho de grandeza e enchem caixotes com papéis que acham que um dia valerão alguma coisa. Os textos do Fernando valeram de muito a tantos. Os meus textos eu vou amontoando aqui no escritório com a Sra. Esposa ameaçando o despejo se eu não colocar ordem. Mas têm tantos sonhos, essas coisas que escrevo...

Na semana das férias li "A Magia da Pixar" (depois comento) e também li “Olhe nos meus olhos”, livro de um sujeito diagnosticado com a Síndrome de Asperger (John Elder Robison), que é um grau leve do autismo. Sua vida de desvios emocionais, de uma família destroçada pelo alcoolismo do pai professor universitário e da mãe com desequilíbrio mental, me acompanhou pela praia e pela piscina com a família-de-pasta-colgate. O texto é bom. Mas as aventuras dele foram um tanto quanto despojadas de maiores detalhes, fiquei com a sensação de que o livro foi escrito para não chocar mulher e o filho. Mas seu relato tem uma boa dose de diferença da minha vida para valer a pena. Acho que essa é a chave do que busco em livros: as diferenças das experiências que mereçam atenção.

Quando penso na poesia reflito sobre a incapacidade de trilharmos as emoções diferentes, sendo pessoas comuns. Talvez a comunidade de nossos espíritos médios e sem sabor não forneça grandes chances de experiências dignas de serem relatadas. Fica aquela sensação de que a arte não foi reservada para homens de meia idade, com barriguinhas protuberantes, com orientação sexual ortodoxa e contas para pagar e declarações para entregar ao Fisco (apesar de termos tanto para contar). A arte fica então livre e oferecida para os desviados, os inconseqüentes, os que têm o que mostrar, o que perguntar, o que confrontar. E os demais compram livros em livrarias para experimentar aquilo que não foram capazes de fazer da sua própria vida. Ou então compram livros de auto-ajuda para se auto-ajudarem ao levar esta vida. Ou então compram livros de exemplos de pessoas bem sucedidas que levam esta vida e recebem dignidades por isso. O que quer que seja, livros são comprados e vendidos. E pessoas comuns se interessam sobre pessoas com a Síndrome de Asperger ou outra coisa qualquer mais interessante.

***

Recomeço esse blog com a certeza de que agora é pra valer. E que preciso escrever como forma de comentar o mundo no qual transito sem muitas aspirações que não sejam escrever. Alivia um pouco.