quinta-feira, 25 de março de 2010

O que há de errado com esta lata?

Entre tantas discussões sobre aspectos éticos da comunicação de marketing, muito foco tem sido dado às ações de propaganda. Isso é justificável: a propaganda tem maior visibilidade, demanda maiores verbas, faz parte do cotidiano da cultura e também já estabeleceu no seu processo de decodificação por parte do público uma série de mecanismos de defesa que aumenta a posição de resistência da sociedade à sua mensagem e, neste processo, provoca mais discussões. Quero dizer com isso que a maioria das pessoas não está na posição amorfa e crédula, vendo anúncios no meio de novelas e jogos de futebol, babando e com um telefone à mão, prontas para consumir o primeiro abshape que assistirem no intervalo da Gazeta. Tá bom, você pode contra-argumentar me falando de uma certa tia Ederwiges que comprou abshape no último mês apesar dos seus 84 anos e seus 145 quilos, com o propósito de adquirir uma barriga tanquinho, que nem a do Giovanni do vôlei. Reconheço que essa é uma longa discussão e muito trabalho acadêmico tem que ser feito sobre o assunto. Porém também acho há uma crítica exagerada que tende a colocar o anúncio como bode expiatório dos pecados de nosso modo de vida, no primeiro plano do mundo darthvaderiano da sociedade de consumo. Pelo que leio de muitos coleguinhas e analistas, especialmente das Sociais, aquele personagem lá d’O Senhor dos Anéis, que encarnava o Mal absoluto, o Sauron, na verdade tem negócios no mundo da comunicação de marketing. Sauron & Vader, por sinal, seria ótimo nome para uma agência.
O que gostaria de evidenciar nesta discussão é que as pessoas prestam mais atenção aos pecados e bobagens que a propaganda faz inclusive porque possuem um senso crítico mais desenvolvido para estas bobagens e pecados. Como disse nuns posts aí abaixo, agências e anunciantes até mesmo exploram essa situação, aoveicularem campanhas bem discutíveis, preparados para fazer do processo que vão tomar no Conar uma forma de repercussão estratégica para o “arrojo” de suas marcas.
Porém, quando dedicamos muito foco para a propaganda, podemos deixar de olhar para outras ações e esforços que talvez merecessem atenção mais detalhada e muito mais discussão. À medida que as demais disciplinas da comunicação de marketing (Relações Públicas, Eventos, Patrocínios, Design, Marketing Digital, Promoção de Vendas, Marketing Direto) ganham em relevância, profissionalismo e uso estratégico, mais pecados e bobagens são cometidos e maior atenção também deveria ser dedicada a estas ações.
Não sou a favor, como alguns legisladores especulam de forma insistente, do banimento total da propaganda de bebidas alcoólicas, já que a sociedade permite sua comercialização em ambiente legalizado. Dei, inclusive, uma declaração a respeito deste assunto no caderno Aliás d’O Estadão (veja o link aqui: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,o-que-pensam-os-especialistas,281961,0.htm). Defendo, entretanto, uma postura ética e uma vigilância crítica aos esforços destes praticantes de marketing EM TODO TIPO DE AÇÃO QUE DESENVOLVAM.
Pegue por exemplo a imagem da lata da Brahma que está à disposição em todas as melhores gôndolas do ramo. O que há de errado nela? Alguém prestou atenção à ligação descarada que se estabelece entre a bebida alcoólica e uma instituição esportiva nacional, a seleção brasileira de futebol, às vésperas de Copa do Mundo? Talvez não sejam muitos os que vejam pecado na união estabelecida entre esporte e a latinha com 4,8% do volume em álcool. Ora, que mal há, se a cerveja é patrocinadora das transmissões, mantém placas nos locais dos eventos, tenha entre os garotos de propaganda jogadores, técnicos e ex-jogadores? E pergunto em contrapartida: não é quase a mesma coisa que colocar a foto do Ronaldão ou do Robinho sorridente no rótulo da garrafa de pinga? Ah, a questão da graduação alcoólica é fator importante e a cerveja é bebida social, alguns pés-de-cana, de lata na mão e um bom pedaço de picanha assada entre os dentes, poderiam argumentar. Conto com sua reflexão e bom-senso, caro leitor e companheiro de churrasco, para estabelecer os limites e restrições para ações desse tipo.
No meu ponto de vista, há muito problema sim. Se o produto fosse tão inofensivo não haveria tanta campanha do tipo “se beber não dirija” e os botecos da periferia não teriam que fechar suas portas em certo horário como forma de desestimular a violência. Se não houvesse problemas em promover produtos que exigem reflexão para o consumo, o cigarro não seria tão condenado pelo esforço que fez em ligar sua imagem ao esporte. Se a discussão sobre o estímulo ao consumo do produto não fosse tão relevante, certamente não seria proibida a venda de cerveja no próprio estádio.
Posso desenvolver toda uma tese acadêmica, com pesquisa empírica etc. etc. sobre a admiração que crianças mantêm com o futebol e seus personagens, as relações intuitivas entre sua paixão e o produto que a sustenta, o qual, pelo seu lado, se vale do ambiente comunicativo para estabelecer posicionamento. E então poderia demonstrar a ponte que se estabelece entre a adolescência e a experimentação de um produto que, em última análise, deve ser consumido “com moderação”, sendo que os adolescentes são o epicentro de coisas como torcidas organizadas e violência.
Colocar a marca da seleção na embalagem desse produto é golpe baixo. Se a CBF, entidade de interesse público mas de direito privado, não vê problemas nisso, a sociedade deveria enxergar.

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