segunda-feira, 25 de julho de 2016

A BANDINHA DO CRICIÚMA

Sexta-feira à noite eu assistia futebol, Série B, na televisão.
Criciúma e Paraná é uma boa forma de desligar o cérebro, prenunciando um final de semana menos estressante, menos cheio de datas, prazos e compromissos.
No estádio uma bandinha, sopros e percussão, agitavam a torcida em noite de frio catarinense. "Dá-lhe Tigre e Dá-lhe Tigre", cantavam os intrépidos 3.930 torcedores,  que possibilitaram renda de R$ 40.220,00.
Cantaram pouco quando o Paraná fez 1 a 0, bem no começo do jogo. Joga bem esse time treinado pelo Martelotte, ex-técnico da base do Santos. Toques rápidos, insinuantes, uma molecada correndo sem parar para marcar e para se lançar ao ataque.
A  bandinha arrefeceu, sofreu o baque, mas foi por pouco tempo. Para incentivar mais, começaram a cantar mais alto. Pensava, eu: "são 90 minutos, se fossem músicas de 3 minutos cada, seriam 30 vezes cantando a música para passar o tempo, enquanto o time perde". Exige garganta e força de vontade. Mas a cantoria em estádios sempre é empolgante. Incendeia os times e oferece um senso de comunidade, de integração, da parte do todo, o canto que ecoa. Reclamo um pouco que falta criatividade, pois quase sempre é cópia de algo. Só os corintianos inventaram o "Louco por Ti" que pegou e encantou. A bandinha do Criciúma, por exemplo, embalava a cópia de um hino de estádios argentinos. Dá-lhe o quê? Dá-lhe em quem?
Perguntas relevantes quando aos 9 do segundo tempo o Paraná ampliou para 2 a 0.
A bandinha fraquejou; 2 a 0 é placar clássico, para desanimar qualquer um. Passado o baque, a bandinha continuou a tocar, as cornetas e trombones animando o frio da galera, os sujeitos dos bumbos marcando compasso da cantoria. O time em campo, bem... o time em campo perdia de 2 a 0 e já era quase 30 do segundo. Os caras da bandinha, estes valentes, não desanimavam. Tocavam mais e mais. Estava tão frio que quando dava close nos jogadores, via-se o vapor subindo do corpo quente, suado. Imagina na arquibancada.
De repente, gol do Criciúma, aos 32 do segundo tempo. A galera agora animou. A bandinha tocou mais forte. Vai que dá. Dá-lhe Tigre. Dá-lhe alguma coisa em alguém. Mas dá-lhe.
O esforço, a crença, a persistência foram recompensados quando, aos 45 do segundo tempo, numa falha do Paraná, o Criciúma empatou.
Já estava pensando comigo: "O pessoal da bandinha vai dormir feliz neste frio. O Criciúma empa... peraí, gol?". Terceiro gol do Criciúma, 47 do segundo tempo e o Criciúma virou. A televisão mostrava a loucura nas arquibancadas. A bandinha tocava ainda mais forte, mais rápido como a batida do coração.
E finalmente acabou o jogo. Gustagol, artilheiro da noite, 2 gols, foi lá na torcida, braços levantados, agradecendo.
A lição para nossa vida: ouça a bandinha que toca sem parar, torcendo por você. E mostre empenho para que eles continuem acreditando. Vai que dá. Dá-lhe.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

ANONIMATO

Uma das coisas que estudo e ensino é Ética. Não como guia prático para lidar com os conflitos e desvios da vida, porque, como sempre repito, ninguém é régua para ninguém. Mas como corpo do conhecimento necessário para a prática, para avaliar os conflitos nas áreas de comunicação e marketing, sabendo de algumas implicações legais relacionadas ao mundo das trocas, da promoção e da pesquisa.
Quem já teve aula comigo sabe que sempre repito que vivemos em um país no qual é livre a expressão do pensamento, de acordo com o Artigo 5o. do Título II da Constituição. Só que o mesmo instrumento legal diz que é vedado o anonimato.
Ou seja, em nosso país é garantido que você tenha o sagrado direito de dizer o que pensa, sem censura. Porém é importante deixar claro que você também é responsável por aquilo que diz. Bom saber que você pode ser responsabilizado civil e criminalmente pelos danos à honra e imagem dos outros, se aquilo que diz é mentira.
Avaliações do desempenho alheio não pode ser considerado crime contra a honra, porque depende da subjetividade da percepção de quem avalia. Ninguém pode ser processado porque achou que o jogador foi um verdadeiro perna-de-pau em uma partida. Ou porque não gostou da comida servida em um restaurante. O que você não pode fazer é ofender a honra pessoal do jogador ou do cozinheiro. Ou do professor.
Penso nisso lendo uma avaliação destrutiva, ferina e desonesta, feita por aluno de forma anônima.
Confesso que fui procurar pela sua letra quem é a figura. Melhor saber o nome e o sobrenome de alguém que não desejo encontrar na vida. A covardia aliada à maldade é tudo que não espero encontrar perto de mim. Ok, descoberto quem escreveu o que li, fiquei pensando muito, dei a chance da dúvida, pois ele poderia ter razão. E se ele tivesse, melhor seria desistir da carreira e da profissão. Vi todas as demais avaliações que, em maior ou menor grau, contrariam o que expressou o rapaz. Pensei nos quase 12 anos desta disciplina que não é fácil, em todos os alunos que encontrei. Enfim, é um contra todos os demais. Não que eu seja uma unanimidade, nem quero ser. Podem ter me criticado antes, mas não no nível deste moço, ao dizer que não preparo minhas aulas, que não domino o assunto. Isso é coisa de gente ruim. Mas... fica uma tristeza pela capacidade humana de destruir o que os outros tentam construir.
Afeta a alma? Afeta, claro.
Mas também demonstra, mais uma vez, que você só ensina quem quer aprender.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

CADÊ O TROCO?

Meu pai era um cara legal. Simples. Muitas vezes raso. Mas um cara legal, que dirigia um caminhão.
Sua preferida era minha irmã. Nunca vi meu velho chorar tanto quanto no dia em que conduziu minha irmã, igreja adentro, no seu casamento.
Lembranças específicas: ele me dando tapas na coxa, enquanto guiava. Sua paixão por Nossa Senhora Aparecida. O rádio sempre ligado no futebol, enquanto ele dormia no domingo à tarde  Ele me chamando de  "cabeludo" e  "secretário" no meio dos amigos, quando tomava umas pingas no bar. Ele me oferecendo a caipirinha para eu colocar o dedinho e experimentar, com 7 ou 8 anos de idade. Meu velho era um cara legal, na sua simplicidade.
Lembro de suas mãos com as veias saltadas, seu prazer em fumar compulsivamente,
Definitivamente não sou meu pai. Sou mais parecido fisicamente com minha mãe. E talvez, a contragosto, eu seja muito parecido com ela.
Corte da cena:  meu filho mais velho é minha cara. Ou seja, fisicamente parecido com minha mãe, por consequência. Hoje cheguei em casa e pedi para que ele fosse na padaria comprar pão e outros frios para o lanche da noite. Sua pergunta: "posso comprar um docinho?". Estendi a nota e disse: "pode".
Que coisa, o tempo. Meu pai, minha mãe, eu, meu filho indo comprar docinhos. E então ele volta e eu pergunto: "cadê o troco?". Minha mãe pergunta dentro de mim. Meu pai faz coro. Todos os três perguntamos cadê o troco? Ele me estende as notas de dinheiro e o cupom fiscal.
Tão simples. Tão complexo, as gerações todas falando naquele gesto. Meu pai com sua caipirinha, minha mãe com o litro para que eu fosse buscar óleo na mercearia. O tempo, esse brincalhão.
Ou, como li num post do instagram de um ex-aluno:  "a vida é uma doença mortal que transmitimos por meio do sexo".

quarta-feira, 6 de julho de 2016

CPTM

O trem que me leva até a universidade é, ele próprio, uma universidade. Sentar, ouvir, aprender. Contemplar o mundo que passa pela janela e prestar mais atenção nas pessoas ao redor.
Por exemplo:  ali ao fundo há uma mulher com um casaco azul que não fecha. Mesmo que ela quisesse não fecharia, dado o tamanho de seus seios. Ela usa um colar enorme, dourado, com um pingente também grande, na forma de uma maçã. A seu lado o rapaz bem acima do peso, que usa uma polo Lacoste, ressona, enquanto segura com força sua bolsa de couro. Mais longe uma mulher tricota um cachecol preto e branco. Estou só no banco. E então sentam-se minhas personagens. Elas não têm nome. Uma de frente, outra ao meu lado. As duas mulheres são negras. Uma delas leva uma grande bolsa e abre pacotes com bijouterias folheadas a ouro. "Não desbotam, que nem aquelas porcarias chinesas". A que está ao meu lado chegou apoiando-se numa bengala. É bem magra. Usa uma blusa de tricô laranja e uma saia florida, cujo fundo predominante é cor-de-rosa. Tem o cabelo tingido em uma cor que vai do amarelo ao marrom. Ouço sua história e suas perguntas:  "quanto custam (as bijouterias)", "quanto você gastou?". E então responde as perguntas de sua companheira de viagem e eu vou descobrindo seu drama. Teve dois AVCs. Tem 3 filhos, dois meninos e uma menina. "Meu bebê faz aniversário esta semana, 33 anos". Que perdeu o marido. Que ficou em uma cadeira de rodas. Que quando ficou no hospital depenaram sua casa. "Não sobrou nada, levaram até o fogão, imagina". Que a filha veio cuidar dela, mas que depois de alguns meses mandou ela embora: "imagina, tem filho, tem marido pra cuidar". Que já enfrentou o pior da vida, mas que agora agradece todo dia. Cada dia é uma benção. E que Deus está restituindo suas coisas, aos pouqinhos. Que queria tanto ter dinheiro para comprar umas joias assim, douradas, bonitas, como as que a colega usa.  Que mora no Camargo Velho,  que tem uma carroça. Mas que já entrou com os papéis. Que tem 53 anos. Minha idade, ela tem.
Depois fica em silêncio. Abre a grande bolsa que colocou no chão. Tira um livro. Leio na capa, "A Igreja na Era do Gelo". Ela então começa a ler e a entoar uma música, bem baixinho, quase que murmurando, entre o balanço rítmico do trem.
Eu aprendo. Toda vez aprendo.

domingo, 3 de julho de 2016

COMPRAR PÃO

Acordo e vou para a rua: caminhar para perder peso, comprar pão para ganhar tudo de volta. Combino a missão: caminhar, dar uma volta grande pelas ruas do bairro, e depois passar na padaria. Subo a Angélica e há um vazamento intenso de água limpa naqueles registros externos de uma loja. Paro. Tento avaliar se posso resolver. Alguém forçou as emendas dos encanamentos e a água vaza. Claro que não tenho competência hidráulica para resolver isso. A loja é uma daquelas que abre aos domingos. Alguém virá para resolver esse problema que não é meu.
Continuo subindo. Uma mulher que caminha com seu cachorro viu minha ação e comenta: "você conseguiu? Eu também tentei". Respondo que não consegui. Que deve chegar alguém. Que dá imensa dó. Ela, a mulher do cachorro responde: "isso mesmo; dá muita dó perder a água limpa. Deve ter sido algum mendigo para beber água ou lavar a roupa. Mas dá dó".
Subo com culpa por não conseguir resolver o problema da água que escorre pela calçada.
Contorno a praça Buenos Aires duas vezes e há dois mendigos completamente alheios ao mundo de gente que corre, que passeia, que pensa em água escorrendo. Teriam sido eles? A pergunta é secreta, somente dentro da minha mente. Eles são engraçados: amarraram um cachorro nas grades do parque e bebem algo suspeito em uma garrafa de coca-cola. Uma moça passa por mim com medalha no peito. Uma corredora com medalha, participou de algumas destas corridas que são comuns aqui por perto, no meu bairro. Acho engraçado ela caminhando com aquela medalha dourada imensa no peito. Uma grande vitória, que não terei ao final da minha caminhada em torno da praça. Na segunda volta os mendigos estão sentados. O cachorro se coça. A garrafa de coca-cola está jogada no meio-fio.
Continuo meu caminho de pensamentos deixados para trás e sigo pelas ruas deste pedaço de São Paulo. Passo pelo prédio do Vilanova Artigas que certa vez precisei analisar em trabalho de semiótica. Sempre passo por esse prédio e não vejo graça nenhuma nele. "Tenha paciência: com tanto prédio mais interessante para analisar!". Desço pelo  Samaritano. Um casal se aperta na frente da porta de vidro para tentar enxergar algo dentro de um edifício comercial. Nomes de médicos. O casal tenta descobrir o nome de algum médico que trabalha ali.
Chego à padaria para comprar os pães. Para mim os pães falam quase tudo o que sinto por São Paulo. Um pacto. Uma confraria de costumes e esquisitices. Paulistanos e seus pães com manteiga, suas xícaras de médias (meio café, meio leite) em um domingo de manhã. Paulistanos que caminham que caminham, que levam os cachorros para passear, que se condoem da água limpa escorrendo pela calçada. Na fila do caixa uma cliente reconhece o sotaque da atendente: "é pernambucana? eu também". E então começam a falar sobre como deveria estar gostoso na Boa Viagem agora. Com sol e calor. Seguro meu pacote com pães quentes e penso em como é relativo esse negócio de "gostoso".
Finalmente consigo sair de novo para a rua e encontro dois vizinhos que levaram o cachorro para passear. Eles sorriem e me apoiam na caminhada. "Faz bem pra saúde". Eu sorrio de volta e não falo da água, dos mendigos, da mulher com a medalha no peito, do prédio do Vilanova Artigas, do casal na porta de vidro, da pernambucana na fila. Isso não importa. Quase nada importa. Eu registrei no meu cérebro e agora escrevo aqui.
Muito mais importante é o pão que levo para o café da manhã. Para passar margarina em pedaços generosos. Para acompanhar minhas xícaras de café no domingo da cidade em que as pessoas se amparam nas caminhadas. Muito mais importante é esse pão que levo.
Re-fazenda

Cancelei minha conta no facebook.
As pessoas me perguntam: por quê? Algum problema? Está doente? Brigou com a mulher? Alguém está te perseguindo?
Nada, nadica. Parei como quem resolve parar para fazer um ajuste de contas com seus escritos. Há alguns motivos menos nobres, claro. Mas também há uma vontade grande de respirar, no sentido de aspirar o ar com paciência, antes de expirá-lo.
Uma série de providências na vida: cancelar o facebook; brincar menos com o álcool, deixar de naturalizá-lo na vida, como se fosse simples assim; fazer um tanto quanto de exercícios, afinal a idade está chegando violentamente; cuidar melhor da carreira acadêmica, levar mais a sério artigos, pesquisas, orientações; deixar de se aborrecer tanto com pautas coletivas e cuidar mais das pautas individuais e familiares. Publicar um livro. Fomentar grupo de pesquisa. Ir adiante.
Todo mundo tem uma fase destas, de insatisfação com sua própria inércia, de estranhamento com as coisas que vão, vão, sem tempo, sem prazer, sem paciência, sem a menor consciência de que elas estão indo. E então você olha no espelho e percebe que seu filho já está precisando aprender a fazer a barba, sua conta bancária pede socorro, sua barriga cresceu muito além da medida do razoável, você nem sabe direito mais quem é você, quem é aquele cara ali no espelho, que antes de ser assim tinha tantos sonhos...

***

Então voltei aqui. 5 anos desde a última publicação, voltei aqui.
Escrever é um modo de eu lidar comigo mesmo. Uma forma de me contemplar por meio de minhas ideias postas em ordem. A sessão de terapia custa mais caro, depende de seres humanos, nem sempre a gente pode reler e editar. Melhor escrever um blog.
Bem, antes que isso vire um mimimi existencialista, melhor deixar claro que não pretendo fazê-lo assim. Esse aqui é um blog de escritos pessoais. Ponto. Tenho uma amiga que faz desenhos lindíssimos e posta nas suas timelines todas. Eu virei aqui com esse espírito: escrever enquanto penso nas coisas da vida. E, não, esse não será um blog sobre marketing, comunicação e outras coisas assim. O site profissional será em outro lugar. Aqui é só um cantinho para escrever quando eu sentir a compulsão do facebook, aquela saudade imensa dos amigos, das vaidades, das ideias, da troca de sentimentos nesta vida tão esquisita, tão assoberbada, tão conectada. Aí virei aqui para escrever. Quem quiser comentar, brigar comigo, concordar,  me mandar um e-mail, enfim, quem compartilhar o sentimento de viver e pensar a vida, bem, isso será sempre uma alegria.