sexta-feira, 9 de abril de 2010

Did you learn anything?



O escândalo que ele protagonizou deve se repetir incansavelmente pelos subúrbios norte-americanos: a esposa descobre as puladas de cerca do marido e sai correndo atrás dele com tacos de golfe em punho, até fazê-lo bater com o carro, possante SUV, em um poste.Tudo bem se a esposa não fosse uma sueca estonteante e o marido fujão não fosse o mais bem pago esportista do mundo, cuja imagem é associada a muitos interesses econômicos. De tacos de golfe a roupas esportivas. De cartões de crédito a lâminas de barbear. De pacotes de TV por assinatura ao mundo das apostas.  Daí vem a verdadeira caçada ao tigrão pela mídia, com relatos de amantes, lugares e situações, sem tréguas, sem fim, processo no qual o índice de audiência dos telejornais e programas femininos da tarde, a venda vertiginosa de jornais sensacionalistas e revistas de fofoca, serviram como combustível infindável. Uma purgação que parece ter encontrado termo na semana da Páscoa, o renascimento judaico-cristão, no qual nosso personagem retoma o esporte e as marcas se aproximam novamente de sua imagem.
Podemos então passar para o comercial, singelo. Veiculado na semana passada especialmente no mundo da internet e da disseminação viral de arquivos e endereços para visualização: Tiger Woods encara a câmera de frente, que dá um imperceptível zoom out para tentar verificar a emoção dos seus olhos. Em off a voz de seu pai morto diz: “I am more prone to be inquisitive, to promote discussion. I want to find out what your thinking was, I want to find out what your feelings are, and… did you learn anything?” (Estou mais propenso a ser curioso, a promover debate. Eu quero descobrir qual era o seu pensamento, eu quero descobrir quais são seus sentimentos e... você aprendeu alguma coisa?). Corte para o swoosh da Nike. Basta? O jovem mestiço, de pele escura, que assombrou o esporte de brancos de olhos azuis e de campos gramados paradisíacos em alguns dos lugares mais bonitos do mundo, cumpriu a via sacra da dor, da humilhação, da exposição pública de suas mazelas sexuais? A imagem da esposa e dos filhos foi suficientemente repetida? A Nike pode novamente patrocinar o bonezinho que ele usa em suas entrevistas e aparições públicas? A descompostura paterna, diretamente da tumba, serve como toque final para o massacre do indivíduo compartilhado pelas massas?
A dimensão humana da questão parece ser acessória. Falamos das celebridades. Aquelas pessoas que têm evidência no mundo da mídia de massa e que atraem a curiosidade dos demais sem-fama. Pela sua capacidade de capturar a atenção e associar empresas e ofertas a aspectos valorizados por nossa sociedade (a superação, a predestinação, o sucesso, a vitória) elas recebem boladas impressionantes de todos nós. Sim, não são os patrocinadores que pagam os salários de Tigers e LeBrowns, de Ronaldos e Robinhos. Somos nós que pagamos. Centavinhos a cada latinha de Brahma, a cada salame Seara, a cada tênis com aquela logomarquinha que parece uma boca sorrindo e que se associa às asas da vitória, da deusa Nike. Nós e nossa fixação patológica pela vida alheia. Nosso mundo e a necessidade contínua de construir e desconstruir heróis modernos. Os Dourados e Serginhos, as Mulheres Samambaia e os Cearás da vida agradecem nosso interesse.
De todos os comentários sobre o processo vivido pelo Tiger Woods, recomendo a leitura desse artigo aqui: http://www.theglobeandmail.com/news/opinions/good-for-nikes-dead-dad-ad/article1528340/. O colunista oferece uma visão muito interessante, recorrendo à religião do pai de Tiger (budista) e refletindo sobre o puritanismo hipócrita de uma sociedade na qual cada vez mais adolescentes ficam grávidos(as) (inclusive a filha da musa da extrema direita cristã, a Sarah Palin). O autor (Rick Salutin) busca estabelecer contrapontos entre a visão européia (“é só sexo!”) com a necessidade histórica que os norte-americanos têm de camuflar sua sexualidade, de sentir vergonha de seu desejo, e de estigmatizar comportamentos desviantes. Em casos assim é difícil estabelecer verdades absolutas. Vivemos em um mundo no qual padres e papas pedem desculpas, enquanto a Nike e o Tiger Woods veiculam comerciais em tom fúnebre. Em algum subúrbio de algum lugar do mundo uma esposa (ou um marido) procura o taco de golfe, enquanto manejam o controle remoto.