quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A Magia da Pixar

Faz muitos anos que não vou à Mostra de Cinema de São Paulo, da qual já fui assinante e habitué (não é fácil ser pai e professor). Na minha época, uma das coisas mais legais da Mostra era o zum zum zum dos corredores, o boca-a-boca dos aficcionados que indicavam qual o filme ninguém podia perder, mas que não necessariamente constava de listas ou de críticas de jornal. Em uma destas Mostras, acho que lá no final da década de 80, a sessão imperdível que todo mundo comentava era a que apresentaria curtas de uma nova companhia especializada na animação por computador, tendência que certamente impactaria o futuro do cinema. O buzz era que estavam fazendo coisas muito legais não só tecnicamente. Eles faziam roteiros revolucionários. Na sessão no antigo cine Majestic (atual Espaço Unibanco), em meio a outros, foram apresentados dois trabalhos desta nova produtora: um deles era o “Luxo Jr.” (1986), que mostrava a relação de uma luminária maior e mais velha (mãe ou pai, não se sabe direito) com uma luminariazinha filhote, entusiasmada com brincadeiras de bola, além do curta “O Sonho de Red” (1987), que retratava a melancolia dos pensamentos do monociclo vendido na liquidação em uma loja de bicicletas, sonhando com a grandeza de um passado (ou de um futuro)no palco, ao lado de um palhaço. Que curtas! Ah! E o nome da produtora era Pixar
Sou fã dos caras. Neste exato instante em que escrevo o post, meus dois filhos estão ali na sala, assistindo ao DVD com uma seleção de curtas da Pixar (Pixar Short Films Collection, Vol. 1, 2007, Disney/Pixar, 55 min.). O pequeno adora o “Jack Jack Atack” (2005) que mostra o que acontece com o bebê Jack, d’Os Incríveis, naquela cena que não é mostrada no enredo do longa metragem, quando ele está sozinho com a babá. O maior prefere o curta “Geri’s Game” (1997), no qual um velhinho joga xadrez consigo mesmo, alterando personalidades enquanto muda de lado do tabuleiro, para falar de solidão, numa clara referência ao Bergman. Eu gosto de “O Novo Carro de Mike” (2002), sobre os dois monstros amigos experimentando um novo carro, no qual não conseguem dominar direito todos os botões que podem apertar no painel. Pixar é magia pura, técnica e artisticamente. Eles revolucionaram a animação, fizeram alguns dos maiores sucessos de bilheteria dirigidos à família toda, vêm jantando a Disney em termos negociais e ainda enfrentam com competência o surgimento de diversas concorrentes que singram no rastro de inovação e de qualidade que eles inauguraram na produção audiovisual.
O livro A Magia da Pixar de David Price (Elsevier, 2009) foi meu companheiro na estadia das férias, e nele o autor tenta contar, pelo ponto de vista empresarial, como a Pixar se tornou o que é. Para quem ama a Pixar ou tem grande interesse pela produção audiovisual, o livro é imperdível, mas acho que ele não é leitura fácil para todos os demais interessados apenas no universo artístico da obra capitaneada pelo John Lasseter, seu diretor de criação. O texto também tem graves problemas de tradução (o que seria animação por célula? Não seria animação por frame ou quadro-a-quadro?) e o autor se empolgou com a quantidade exagerada de meandros jurídicos e contratuais envolvidos. O David Price é jornalista de negócios e se perde um pouco na quantidade enorme de personagens que passam pela história da Pixar, que aparecem do nada no livro, não merecem o devido aprofundamento psicológico, e depois desaparecem na trama, sem deixar rastros.
Porém a história da companhia é saborosa: um projeto de uma vida toda que começou no princípio da década de 1980, a partir do entusiasmo de uma galera especialista em computação liderada pelo Prof. Dr. Edwin Catmull, um acadêmico da área de softwares. Ao longo de muitos percalços, quase-falências, mudanças geográficas (das universidades do meio-oeste para uma escola em Nova Iorque, no qual tiveram o apoio de um milionário idealista; de lá para o Vale do Silício, bem pertinho da indústria cinematográfica), a liderança inspirada do Prof. Catmull conseguiu atrair muitos talentos em torno de si, na formação de um negócio que apresentava-se, na sua fachada, como companhia voltada ao desenvolvimento de softwares e de hardware especialista para animação por computador (sim, chegou a existir um computador Pixar). Porém, o que ninguém sabia, é que eles sempre alimentaram o sonho de produzir longas e por isso mantiveram anos a fio uma divisão de desenvolvimento de curtas com a desculpa de que, com isso, testavam a tecnologia. Nesse departamento trabalhava um artista demitido da Disney, que tinha umas idéias diferentes em termos do que fazer com o equipamento: John Lasseter. Ano a ano, os curtas apresentavam a evolução técnica que eles alcançavam. O livro também conta como o George Lucas (Guerra nas Estrelas) comprou a companhia para desenvolver tecnologia para seus longas de ficção científica e oferecer serviços para a indústria cinematográfica; como ele perdeu muito dinheiro antes da Pixar voltar-se para o mundo dos comerciais animados; como a companhia foi vendida na bacia das almas (US$ 5 milhões) para o Steve Jobs, depois de ser oferecida pra deus e todo mundo; como Jobs também tomou muito prejuízo antes de conseguir um contrato de coprodução com a Disney para o lançamento do Toy Story (1995), o filme que mudou a história do cinema recente. Jobs é personagem fundamental e o teimoso visionário - e nem sempre ético ou bem humorado - que viu o potencial do que os caras faziam.

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Não é fácil o mundo dos negócios. Há uma linha tênue que separa o grande sucesso do fracasso estrondoso, como o livro mostra. Se hoje o Lasseter tem uma pequena ferrovia em tamanho real, na sua propriedade na Califórnia, pra brincar de trenzinho enquanto pensa em filmes, durante anos ele precisou trabalhar escondido na Pixar, porque o Lucas não podia saber o que ele fazia numa companhia que deveria ser composta só por técnicos. Foram décadas de perseverança e de talento desde o primeiro curta (The Adventures of André & Wally B. , de 1984, que tem no DVD, de qualidade meio tosca, para os padrões atuais - veja a imagem aí ao lado) para chegar até aqui, nas vésperas do lançamento do Toy Story 3. Magia garantida para crianças como eu e meus filhos.

P.S. O Lasseter revelou, segundo o livro, que no Luxo Jr., o adulto é um luminário, logo pai.

Um comentário:

Unknown disse...

Amo Pixar! Saudade da sua aula!