quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A agência de propaganda e a fervura do sapo

O paradigma do sapo fervendo está a pleno vapor - que me perdoem o trocadilho com a temperatura do verão. Para quem não conhece, a história é a seguinte: pegue uma panela, encha com água. Acrescente um sapo (vivo). Leve ao fogo e veja o que acontece (por favor, faça isso hipoteticamente para que este blog não tome processo das sociedades de proteção ao sapo e simpatizantes). O sapo morrerá porque ele é um bicho isotérmico, isto é, adapta a sua temperatura à do meio ambiente. Desta forma, elevará continuamente sua temperatura para adaptar-se ao aquecimento e não perceberá que sua batata está assando aos pouquinhos (vou escrever sobre o negócio da propaganda, mas isso também vale para o ser humano na relação com seu planeta).

Muitas organizações que vivem e dependem das formas de comunicação tradicional, que imperaram até meados dos anos 90, são como nosso desafortunado e hipotético sapo. A panela de pressão que vem cozinhando veículos de comunicação e agências de propaganda é produto de diversos fatores convergentes, como a fragmentação dos meios (gente demais lutando pela atenção do consumidor e pelas verbas do anunciante), aumento exponencial de custos, novas tecnologias de produção, difusão e acesso de conteúdo, novas necessidades de informação, entretenimento e serviços e, como decorrência, novos hábitos de consumo dos meios. O telespectador/consumidor é um público-alvo em movimento, difícil de atingir. Ele muda de canal sempre, sem dó nem piedade, não está nem aí para o break no qual foram investidos milhares (e até mesmo milhões) de reais em produção e veiculação. Ele não sabe direito o que é ler notícias em material físico, porque cada vez mais acessa o mundo no seu próprio ritmo por meio de terminais da internet em sua casa, pelo celular, na hora que preferir. Ele é cético, é exigente, tem consciência de seus novos direitos que chegaram com os Códigos de Defesa do Consumidor. Ou seja, está ficando complicado imaginar uma estratégia baseada em meios tradicionais de comunicação, alicerçada em mídia de massa e na propaganda. O problema desta equação é que o sustento de meios como jornais, revistas, rádios e televisões é feito, de forma prevalecente, pela propaganda. Em um futuro próximo a questão que se propõe é esta: se aquilo que todos estes veículos têm para vender está perdendo valor para o anunciante, quem pagará a conta? A reposta parece que passa pela transformação das formas e dos canais de abordagem do público, ou seja, pela internet e pelas possíveis novas formas digitais de difusão de programação (rádio e televisão), por novos formatos de anunciar e promover como os tie-ins e pelo product placement, pelo aumento da importância de ferramentas como as relações públicas e patrocínios. Minha aposta são as redes sociais mediadas por formadores de opinião. Mas cuidado aí com exercícios de futurologia: há 15 anos atrás meu livro do Kotler na faculdade de administração não tinha uma única citação à palavra internet e ainda tem muita água para rolar debaixo da ponte, numa velocidade alucinante, se é que em algum momento esta mudança se estabilizará.

Como derivada desta transformação dos hábitos do público e da corrida acelerada dos meios para reinventarem-se como negócio, está a agência de propaganda. Hoje no Adage.com há um comentário, “3 predições sobre o futuro da agência”, escrito por Al DiGuido, profissional ligado à área de serviços digitais, que vale a pena ler e refletir sobre o negócio da comunicação (o link é este aqui: http://adage.com/agencynews/article?article_id=142257). De forma geral ele propõe o seguinte: convergência de meios, quantificação de tráfego e de resultados e exigências de auditoria; a diminuição das estruturas para aumentar agilidade; novas denominações funcionais, terceirização de tecnologia e mudanças radicais nas abordagens estratégicas. A frase que mais gostei no artigo foi: “a análise orientará a estratégia e não vice-e-versa”. Essa discussão é enorme, dá para escrever um livro sobre o assunto e mesmo assim oferecerá a sensação de um cego tateando o que julga ser um cenário de futuro. E acho que faltaram pontos importantes no artigo do Mr. DiGuido: financiamento dos meios e remuneração dos prestadores de serviço. A única coisa certa é que nos modelos de mídia comercial, como os que imperam no Brasil e nos Estados Unidos há chuvas e trovoadas pela frente. Sobreviverão as organizações que perceberem a fervura antes e planejarem melhor os seus saltos. Se você trabalha na área, seu emprego está nesta discussão, camarada. Preste atenção na panela.


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Por falar em sapos, na imagem aí do lado estão os sapinhos da Budweiser. O filme original mostrava cada um deles coaxando uma das sílabas da marca e foi um retumbante sucesso na televisão norte-americana, inclusive com o genial comercial dos sapinhos nas costas do jacaré entrando no bar para tomar umas. Mas a agência (Goodby, Silverstein & Partners) teve uma sacada ainda melhor e incluiu dois lagartos e uma doninha na trama, um deles o impagável Louie, the Lizzard. O resultado foi a série épica quase shakesperiana, com fama, inveja, intriga, tentativa de assassinato e muito bom humor que ficou no ar por meses. Uma das campanhas mais memoráveis de todos os tempos. Que também recebeu muitas críticas porque os bichinhos simpáticos poderiam estimular a atenção e o interesse de crianças e adolescentes para um produto alcoólico. Veja o rolo completo, com 18 comerciais, em http://www.youtube.com/watch?v=zV-yGp4l8B8. Cada vez que revejo, rio um pouco mais.

A Magia da Pixar

Faz muitos anos que não vou à Mostra de Cinema de São Paulo, da qual já fui assinante e habitué (não é fácil ser pai e professor). Na minha época, uma das coisas mais legais da Mostra era o zum zum zum dos corredores, o boca-a-boca dos aficcionados que indicavam qual o filme ninguém podia perder, mas que não necessariamente constava de listas ou de críticas de jornal. Em uma destas Mostras, acho que lá no final da década de 80, a sessão imperdível que todo mundo comentava era a que apresentaria curtas de uma nova companhia especializada na animação por computador, tendência que certamente impactaria o futuro do cinema. O buzz era que estavam fazendo coisas muito legais não só tecnicamente. Eles faziam roteiros revolucionários. Na sessão no antigo cine Majestic (atual Espaço Unibanco), em meio a outros, foram apresentados dois trabalhos desta nova produtora: um deles era o “Luxo Jr.” (1986), que mostrava a relação de uma luminária maior e mais velha (mãe ou pai, não se sabe direito) com uma luminariazinha filhote, entusiasmada com brincadeiras de bola, além do curta “O Sonho de Red” (1987), que retratava a melancolia dos pensamentos do monociclo vendido na liquidação em uma loja de bicicletas, sonhando com a grandeza de um passado (ou de um futuro)no palco, ao lado de um palhaço. Que curtas! Ah! E o nome da produtora era Pixar
Sou fã dos caras. Neste exato instante em que escrevo o post, meus dois filhos estão ali na sala, assistindo ao DVD com uma seleção de curtas da Pixar (Pixar Short Films Collection, Vol. 1, 2007, Disney/Pixar, 55 min.). O pequeno adora o “Jack Jack Atack” (2005) que mostra o que acontece com o bebê Jack, d’Os Incríveis, naquela cena que não é mostrada no enredo do longa metragem, quando ele está sozinho com a babá. O maior prefere o curta “Geri’s Game” (1997), no qual um velhinho joga xadrez consigo mesmo, alterando personalidades enquanto muda de lado do tabuleiro, para falar de solidão, numa clara referência ao Bergman. Eu gosto de “O Novo Carro de Mike” (2002), sobre os dois monstros amigos experimentando um novo carro, no qual não conseguem dominar direito todos os botões que podem apertar no painel. Pixar é magia pura, técnica e artisticamente. Eles revolucionaram a animação, fizeram alguns dos maiores sucessos de bilheteria dirigidos à família toda, vêm jantando a Disney em termos negociais e ainda enfrentam com competência o surgimento de diversas concorrentes que singram no rastro de inovação e de qualidade que eles inauguraram na produção audiovisual.
O livro A Magia da Pixar de David Price (Elsevier, 2009) foi meu companheiro na estadia das férias, e nele o autor tenta contar, pelo ponto de vista empresarial, como a Pixar se tornou o que é. Para quem ama a Pixar ou tem grande interesse pela produção audiovisual, o livro é imperdível, mas acho que ele não é leitura fácil para todos os demais interessados apenas no universo artístico da obra capitaneada pelo John Lasseter, seu diretor de criação. O texto também tem graves problemas de tradução (o que seria animação por célula? Não seria animação por frame ou quadro-a-quadro?) e o autor se empolgou com a quantidade exagerada de meandros jurídicos e contratuais envolvidos. O David Price é jornalista de negócios e se perde um pouco na quantidade enorme de personagens que passam pela história da Pixar, que aparecem do nada no livro, não merecem o devido aprofundamento psicológico, e depois desaparecem na trama, sem deixar rastros.
Porém a história da companhia é saborosa: um projeto de uma vida toda que começou no princípio da década de 1980, a partir do entusiasmo de uma galera especialista em computação liderada pelo Prof. Dr. Edwin Catmull, um acadêmico da área de softwares. Ao longo de muitos percalços, quase-falências, mudanças geográficas (das universidades do meio-oeste para uma escola em Nova Iorque, no qual tiveram o apoio de um milionário idealista; de lá para o Vale do Silício, bem pertinho da indústria cinematográfica), a liderança inspirada do Prof. Catmull conseguiu atrair muitos talentos em torno de si, na formação de um negócio que apresentava-se, na sua fachada, como companhia voltada ao desenvolvimento de softwares e de hardware especialista para animação por computador (sim, chegou a existir um computador Pixar). Porém, o que ninguém sabia, é que eles sempre alimentaram o sonho de produzir longas e por isso mantiveram anos a fio uma divisão de desenvolvimento de curtas com a desculpa de que, com isso, testavam a tecnologia. Nesse departamento trabalhava um artista demitido da Disney, que tinha umas idéias diferentes em termos do que fazer com o equipamento: John Lasseter. Ano a ano, os curtas apresentavam a evolução técnica que eles alcançavam. O livro também conta como o George Lucas (Guerra nas Estrelas) comprou a companhia para desenvolver tecnologia para seus longas de ficção científica e oferecer serviços para a indústria cinematográfica; como ele perdeu muito dinheiro antes da Pixar voltar-se para o mundo dos comerciais animados; como a companhia foi vendida na bacia das almas (US$ 5 milhões) para o Steve Jobs, depois de ser oferecida pra deus e todo mundo; como Jobs também tomou muito prejuízo antes de conseguir um contrato de coprodução com a Disney para o lançamento do Toy Story (1995), o filme que mudou a história do cinema recente. Jobs é personagem fundamental e o teimoso visionário - e nem sempre ético ou bem humorado - que viu o potencial do que os caras faziam.

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Não é fácil o mundo dos negócios. Há uma linha tênue que separa o grande sucesso do fracasso estrondoso, como o livro mostra. Se hoje o Lasseter tem uma pequena ferrovia em tamanho real, na sua propriedade na Califórnia, pra brincar de trenzinho enquanto pensa em filmes, durante anos ele precisou trabalhar escondido na Pixar, porque o Lucas não podia saber o que ele fazia numa companhia que deveria ser composta só por técnicos. Foram décadas de perseverança e de talento desde o primeiro curta (The Adventures of André & Wally B. , de 1984, que tem no DVD, de qualidade meio tosca, para os padrões atuais - veja a imagem aí ao lado) para chegar até aqui, nas vésperas do lançamento do Toy Story 3. Magia garantida para crianças como eu e meus filhos.

P.S. O Lasseter revelou, segundo o livro, que no Luxo Jr., o adulto é um luminário, logo pai.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

George Lois, o Edmundo da Propaganda

Geralmente a criação em propaganda pode ser dividida em duas fases: antes e depois da DDB. No final dos anos 1950, início dos 1960, a pequena Doyle, Dane & Bernbach americana fundou uma abordagem criativa diferenciada, um divisor de águas na qual a campanha da VW (Think small) representa seu melhor exemplo, peças que misturam discurso comercial com um apelo à inteligência do receptor, abordagens que fogem do lugar comum da “matéria prima de qualidade e o melhor valor para você”. Da DDB nasceram campanhas como as da Avis (We try harder) que estabeleceram personalidade para as marcas e serviram para que o Al Ries e o Jack Trout identificassem um conceito central do marketing moderno, o posicionamento. Ou seja, aquilo que foi desenvolvido de forma intuitiva no mundo da prática foi sistematizado pela teoria para uso geral a partir da década de 1970, até chegar a coisas como branding e tal. Enfim, eu tenho que fazer um post só sobre minha admiração pelo Bill Bernbach e o trabalho de sua agência, mas não cabe aqui.


Um dos profissionais que trabalharam na DDB bem no início de sua carreira e que depois saíram para construir sua própria agência e que é dono da reputação de enfant terrible (como se dizia bad boy há algumas décadas) é o George Lois. O livro The Mirror Makers, de Stephen Fox (minha edição é da Illini Books, 1997) conta um pouco da história desse diretor de arte que trabalhou na DDB e que mereceu o seguinte comentário do próprio Bill Bernbach: “A única coisa errada com você, George, é que sua mente está no saco”. De família grega, crescido no Bronx em uma vizinhança irlandesa, Lois estudou no Pratt Art Institute e saiu da DDB para fundar sua primeira agência em 1960, com Fred Papert e o redator Julian Koenig (que escreveu algumas das melhores peças da campanha da VW) a Papert, Koenig, Lois. Esta agência fez peças como a que mostro aí do lado, para a vodka Wolfschmidt, na qual a garrafa de vodka tenta seduzir um tomate dizendo que, juntos, eles podem fazer excelentes Bloody Marys (clique na peça para vê-la ampliada). Em outra peça, publicada uma semana depois, a mesma garrafa chega junto numa laranja e diz assim: “bonequinha, gostei de você. Você tem sabor. Eu vou fazê-la famosa. Me beije!”. No que a laranja responde: “quem era aquele tomate que eu vi contigo na semana passada?”.

Nas várias agências nas quais foi sócio, George Lois ficou famoso por sua abordagem não muito ortodoxa no ambiente de trabalho, no qual se relatam cenas de pugilato entre equipes de criação e profissionais mijando em lay-outs não aprovados. Várias acusações de desvio ético na apropriação de idéias alheias são relatadas, inclusive no verbete sobre ele na Wikipédia. Mas poucos profissionais mereceram tanta atenção e reverência na fundação de um estilo moderno de se desenvolver campanhas persuasivas. Lois também ficou (muito) famoso pela série de capas que criou para a revista Esquire, que recentemente mereceu uma exposição no MoMA, dentro daquele conceito que que o design editorial e a propaganda são formas específicas da cultura do século XX, fenômeno que James Twitchell vai chamar de AdCult.



Uma frase atribuída a Lois e relatada no livro de Fox fala da visão que certamente ainda impera no departamento criativo da propaganda sobre os clientes, normalmente chamados de “eles”, os mais viscerais adversários no sentido de dar vida a peças que desafiam o senso comum: “Eles nunca vão entender porque nós trabalhamos 14 horas por dia e eles nunca vão entender a liberdade que precisamos em nossa maneira de trabalhar. Eles não gostam da forma pela qual trabalhamos, a maneira que falamos, a maneira que nos vestimos. Eles não sabem nada sobre propaganda ou como a melhor propaganda é criada. Eles botam nosso negócio pra baixo”.

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Enquanto escrevo esse post lembro-me de quem me apresentou ao livro com o trabalho de George Lois, assim como a todas as peças da campanha da VW foi o meu querido amigo Anibal Guastavino, com quem tive o privilégio de formar dupla de criação e compartilhar a mesma mesa de trabalho por um ano e meio, mais ou menos. O Anibal foi uma grande influência na minha carreira e na forma como enxergo a propaganda e a comunicação de marketing. Ele (me) faz muita falta.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

"Querida, eu te amo (quase tanto quanto a bola)"



O que fazer se o Dia dos Namorados cai exatamente no dia de jogo importantíssimo do campeonato? A Puma e a sua agência Droga5 de Nova Iorque têm uma ótima sugestão: chame a galera, ligue a câmera e grave uma belíssima canção do Savage Garden que ela adora. Depois coloque num site e mande por email. Ou, como diz o comercial que você encontra em http://creativity-online.com/work/puma-hard-chorus-lovefootball-uk/18851, faça sua cara metade saber o quanto você a ama (na verdade, tive a impressão que a cara metade desses sujeitos é redondinha e costuma rolar no gramado... ou então é gelada e feita de cevada). (Veja o comercial para ler o resto).

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Esse comercial é parte da campanha Love=Football da Puma e bom indicativo de como a propaganda atual busca integração entre mídias, datas, oportunidades (o Valentine’s Day foi dia 14 de fevereiro). O tempo da peça é de 2 minutos e tem uma outra versão não tão inspirada para o público italiano. A produção é razoavelmente simples, tirando a quantidade enorme de figurantes. Para os alunos de Produção de Vídeo: analisem a atuação do conjunto. É sempre muito difícil fazer muita gente atuar ao mesmo tempo, sem algum tipo de falha (uma careta, um desvio de olhar... em algum momento tem um lá que olha pro lado, encontrem). Pensem também nos dois figuraças que abrem a peça. Eles são as âncoras emocionais que dão o tom necessário para a ironia do discurso que vem a seguir. Uma das decisões difíceis para o diretor. Para os alunos de marketing e propaganda: o interessante da ação é a estratégia de combinar TV e internet para gerar boca-a-boca. Imagine, para o caso brasileiro, se fossem torcedores de cada time, com as camisetas? Quanto vocês acham que seria o efeito viral (o efeito multiplicado do reenvio de mensagens endossadas por amigos e outras pessoas do seu relacionamento) alcançado? Enfim, minha única crítica é que ficou um pouco comprido e que o final mereceria ter uma sacada mais divertida para ficar memoravelmente perfeito. Mas, francamente, Savage Garden ninguém merece.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Lula, quem diria, preferência até em Wall Street.

Perca algum tempo lendo essa matéria da bloomberg (http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=20601109&sid=aV6rdv4v6jqk&pos=10). Para quem tem mais de 40 e viu Braços Cruzados, Máquinas Paradas, usou estrelinha com alfinete no peito nos tempos da ECA nos anos 80 como eu, é até engraçada a defesa do nosso Presidente e de sua candidata Dilma Roussef por parte de fundos de investimento norte-americanos, no supra-sumo da mídia de finanças e negócios do mundo. Os financistas torcem abertamente para que nada mude em termos de política monetária, taxa de juros e evolução dos valores dos títulos do governo brasileiro, pelos quais a Pimco (Pacific Investment Management Co.) pagou US$ 0,42 em 2002, os quais valem US$ 1,33 atualmente. De acordo com a matéria, Serra tornou-se perigoso, porque pode alterar a condição atual de valorização dos investimentos destes senhores. Ainda mais depois da entrevista do genial presidente do PSDB nas páginas amarelas da Veja, dizendo que, caso o seu partido ganhe, vão mudar tudo. Do jeito que se encaminha a peleja, o governador de São Paulo vai ter que imitar o atual presidente e escrever sua própria versão da “Carta aos Brasileiros”, dizendo que se eleito tudo continua como está... taxa de juros, crescimento da economia, bolsas-tudo, Olimpíadas e Copa do Mundo. Ora, a pergunta do eleitor pode ser a seguinte: se não vai mudar nada, porque então vou mudar de partido no poder? E aí está a armadilha da campanha de 2010. Fora o tom, que certamente vai ser um dos piores dos últimos certames (podem me cobrar depois), o grande desafio será: como Serra pode estabelecer diferenças, sem colocar em risco tudo aquilo que aí está e que é valorizado pelas pessoas que vivem melhor e que costumam se esquecer que parte das conquistas do presente dependeram do desempenho dos governantes do passado? Uma questão de comunicação, é claro. Mas também uma questão de percepção política. Eu vou ficar de olho no encaminhamento destas estratégias.

Não, este blog não vai entrar na seara das preferências políticas, mesmo porque pretendo ter leitores de todos os partidos. Só queria compartilhar com vocês algumas reflexões a respeito do marketing político. Parênteses aqui: marketing político não é comunicação política somente, como muitas pessoas por aí tendem a assumir. Marketing significa desenvolver uma oferta de valor para públicos-alvo, no caso os eleitores que trocarão seu voto por uma perspectiva de exercício de poder. Implica em pesquisa, elaboração de um programa (o produto, cuja visualização é o candidato), passa pela comunicação, pela distribuição desta mensagem e pelos meios de contato (redes sociais serão o tópico quente de 2010), até chegar à troca propriamente dita: ou seja, voto na urna. E tem também o pós-venda, que é o próprio mandato. E já que acabou o Carnaval, rufem os tambores que os blocos agora vão pra rua.

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Hoje o site do Advertising Age resolveu comentar o comercial do Google (veja a crítica em http://adage.com/garfield/post?article_id=142107). Nada muito profundo, tirando a sugestão sutil daquilo que disse aqui no blog, com todas as palavras. O Google está precisando de um choque de charme.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Da série: “Isso não deu pra colocar no meu Lattes”



De vez em quando monitoro o que envolve meu nome na rede mundial de computadores. Já vi de tudo: um bandido alagoano homônimo, um rapaz que gosta muito da Brittney Spears. Atenção, detratores: esses daí não são eu.
Mas tem uma coisa que sempre vejo na internet envolvendo meu nome que me deixa bastante incomodado. Uma versão reproduzida a partir do site da Transamérica sobre a criação da logomarca do Tesão, que fiz por volta de 1986. Certamente este foi um de meus trabalhos de maior visibilidade e importância o qual, infelizmente, não posso colocar no currículo Lattes (pra quem não sabe, o Lattes é uma forma de comparar a produção dos professores e pesquisadores em termos de atividade acadêmica e não oferece muito espaço para o esforço da prática, o que é uma pena).
Então quero aproveitar a oportunidade para contar minha versão dos fatos e também para lembrar um pouco da história da Transamérica, da qual fiz parte por 8 anos. Talvez isso ajude os que procuram entender como uma equipe extremamente talentosa ajudou a fazer uma rádio inexpressiva se tornar um fenômeno de audiência, mais de 2 anos em primeiro lugar no Ibope, antes de ser devolvida ao limbo em tempos recentes.
Tudo começou com a nomeação de um executivo do Banco Real (o dono da Transamérica é o Aloysio Farias, fundador do banco) para avaliar e quem sabe vender a rede que não dava muito certo em todo país, apesar das excelentes praças nas quais estava presente: Brasília, Salvador, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Também pudera que não desse certo: a rádio era péssima, gravada, tocando música sem sabor e com locuções sem nenhuma personalidade (música mais velha, do tipo Tony Bennett, mas sem muita liga, brilho ou estilo). Em São Paulo a Transamérica ocupava o 14º lugar, entre 16 (as duas últimas sempre são a USP FM e a Cultura FM). Esse executivo se chamava Calil Bassit e sua maior qualidade era não entender nada de FM. Pois o Calil foi lá e pediu uma oportunidade ao Doutor Aloysio de fazer daquele negócio uma fonte de lucros. Ao recebê-la, o Calil se cercou de gente talentosa e constituiu-se no pilar, na alavanca de construção dessa marca, durante toda sua longa carreira à frente da Rede Transamérica, que chegou a estar presente em mais de 40 praças no Brasil, ao vivo e em tempo real, muito antes da internet.
Pela Transamérica passaram muitos profissionais de qualidade. Serei injusto, com certeza, mas lembro da influência do Marcelo Braga, do Luiz Flavio Guimarães, do Ricardo Henrique, do Acácio Costa, do Fernando Martos, os quais foram se integrando ao time e construindo a magia de uma rádio voltada ao público jovem, escrachada, bem humorada, com uma plástica diferenciada, com muito humor e cara de pau. Um fenômeno, do qual temos muitos ecos por aí no dial em todo o País (um dia volto a este assunto). Cheguei até essa equipe por meio de um dos primeiros coordenadores artísticos da Transamérica, o Luiz Fernando Magliocca, o qual por sua vez tinha conhecido na implantação do projeto da 89 FM, a rádio rock, logo depois de minha saída da Folha. O Magliocca é fera em rádio. E me convidou para ajudar na criação da personalidade dessa rádio jovem que o Calil queria fazer, em termos de comunicação.
Um dos maiores desafios em rádio é dar a personalidade visual para um produto que é só audição. E a logomarca antiga da Transamérica fazia jus à sua programação: era um arco em cinza e preto com pessoas reunidas em torno de um balcão, com algumas notas musicais e o nome escrito embaixo. Ou seja, negava todas as recomendações de uma marca: ter visibilidade, ser fácil de reproduzir (ampliar e reduzir) e de lembrar. O desafio então, era fazer uma logomarca jovem, bem humorada, escrachada e que fornecesse a dimensão visual para uma emissora que queria jantar as concorrentes (no caso e na época a Cidade FM e a Jovem Pan que, me perdoem os aficcionados, sempre tiveram péssimas logomarcas). Esse foi um grande desafio, para o qual desenvolvi mais de 20 alternativas, junto com o Gilberto Yudi. Para fazer a marca de uma rádio jovem, não mirei no que normalmente todo mundo fazia: copiar ou “inspirar-se” em logomarcas de rádios norte-americanas. Para pensar na marca da Transamérica pensei no público jovem, masculino, irreverente. E para isso fiquei pensando em bandas de rock e em logomarcas de loja de surf. Foram pelo menos 10 dias em busca de adesivos em carros, em lojas de shopping centers e muito rabisco. Até que veio a inspiração do “Tesão” como palavra-conceito, com grande força pela associação à sensação do prazer sexual e à primeira letra do nome de uma rádio que tem 12 letras (e na qual era proibido falar muito em “Transa”, que o Doutor Aloysio nem o Calil gostavam).
Então fiz assim: cores fortes (amarelo,vermelho e preto). Um quadro em volta pra indicar limite e um padrão de bolinhas repetitivas em preto sobre um fundo amarelo (os gozadores lá do Rio sempre me lembravam que a logomarca tinha parecença com o emplastro Sabiá). Em cima desse padrão de coisas previsíveis, sobrepus um grande “T” em vermelho,com sombra preta, feito a pincel pelo Giba, com a intenção de ser o inesperado, o agressivo, o desafiador do “tesão” de uma rádio que faria história. A tipologia que escolhi era Futura (sem serifa), mas o Calil precisou dar seu toque especial no trabalho (clientes!) e exigiu uma letra serifada (Imperial BT) com a qual se escreveu Transamérica FM, centralizada abaixo. Pelo que consta o seu Aloysio nunca gostou muito da marca (segundo o que me disseram, ele dizia que parecia uma tábua rachada). Mas ele pode ter certeza que a marca caiu em gosto popular e certamente foi um dos adesivos mais reproduzidos na história dos veículos de comunicação no Brasil, gerando uma parte do valor de seu negócio, o qual por sua vez tinha uma excelente programação no ar, consonante com a sua expressão visual.

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Duas histórias engraçadas sobre o Tesão da Transamérica. A primeira envolve o primeiro lote de adesivos, produzido para carros: fizemos o fundo cristal e o nome da rádio em preto. Não pensamos que o fundo de todo carro é escuro, logo o nome da rádio sumia, apesar do Tesão vermelho sobre fundo amarelo se destacar. Precisamos fazer outro, com fundo em branco.
Outra história engraçada envolve o lançamento da rádio, muitos anos depois, em Belém. Quando estava no coquetel, aproximou-se o dono de uma rede de farmácias, meio constrangido, confessando que teria de trocar a logomarca de sua rede: ele tinha copiado descaradamente o T da Transamérica para as farmácias Tamandaré.

Glória ao espírito irreverente e desafiador. Tenho saudades da Transamérica, 100,1.

Redes Sociais

Existem alguns colegas da área de marketing que não se cansam de fazer listas dos “10 qualquer coisa que você deve...”. Complete as reticências com alguma coisa relacionada a conquistar mercado, atender melhor o cliente, desenvolver estratégias de criação de valor - e por aí vai. O que sempre me incomoda é o desprestígio de alguns numerais. Os números cabalísticos nestas listas são sempre 10, 5, 7 ou 3. Os coitados dos pares (à exceção do 10) - e especialmente o 8, o 6 e o 4 -não têm muita vez e sempre fico pensando quando alguém vai recuperá-los para devolver sua dignidade e auto-estima.
Escrevo sobre isso depois de ler minha coluna fundamental de toda segunda-feira, a do Pedro Dória no caderno Link do Estadão, e também depois de ver uma lista de 10 estratégias em marketing que nem toca na questão das redes sociais. Pois o papo da semana do Pedro é a investida do Google, de novo ele, nas redes sociais com o tal do Buzz que eles lançaram nesta última semana. Na verdade trata-se de uma nova tentativa de dar força ao Google Wave, o qual por sua vez já não tinha funcionado muito bem. De qualquer maneira, o tópico quente (hot issue, na linguagem acadêmica metida a fashion) para quem quer estudar marketing de verdade são as redes sociais. E poucas coisas são mais valiosas hoje em dia do que mapear o chamado “talk of the town”, descobrir do que as pessoas estão falando para então posicionar ofertas ou desenvolvê-las quando elas ainda não existirem. Isso tem muito valor como ferramenta porque fornece o termômetro do caldo cultural. Como antecipar tendências, evoluções, desdobramentos, é cada vez mais importante para quem precisar fabricar coisas. Colocar uma linha de produção em atividade implica em fazer design, protótipo, fazer teste, desenvolver moldes e ferramentas de fabricação, produzir embalagem, desenvolver códigos de barras, formas de transporte e conservação. Neste sentido, numa condição de grande homogeneização das ofertas, quem sabe antes e melhor, pode explorar o mercado em posição vantajosa não somente em termos de valor, mas especialmente em termos de prazos. Então, monitorar as redes sociais é um processo que pode vir a fornecer as evidências necessárias para colocar esse processo em funcionamento. Considere que o tal do Buzz agora pode fazer com que suas conversas online virem arquivos mantidos no email. Certo, tem muita gente aí de cabelo em pé imaginando que não quer arquivar certas coisas que fala pela internet. Mas eu também me preocuparia com a capacidade de uma máquina de processamento cada vez mais poderosa possa utilizar estes dados a serviço do marketing, manuseados por alguém que controle o agregado de todas estas conversas.
O outro ponto da equação do monitoramento da rede social é a identificação dos formadores de opinião, que podemos dividir em trendsetters (aqueles que estabelecem novas modas, novas atitudes, que formam verdadeiramente novas tendências) e os trendspreaders (aqueles que espalham estas novidades, mantendo grande rede de contatos). Ora, quem monitora, identifica. Quem tem os dados pode enviar mensagens personalizadas, pode desenvolver programas especiais de contato e estímulo. E quem vencer a corrida do controle do monitoramento das redes sociais via internet estará em condição específica de superioridade.
Não tem nada de errado em se valer de condições lícitas de concorrência. E toda vez que você aceita os termos de serviços como o Hotmail, o Google e o Yahoo aciona uma tecla lá que (leia o contrato) diz que eles coletam dados pessoais. Mas que tem aí uma coisa de invasão de privacidade que sempre me preocupa, aí tem.
Listeiros: não se esqueçam de incluir esse tema aí nos seus próximos esforços de explicar o futuro do marketing. Vai ajudar a dar um resultado par, que no final das contas era o humilde objetivo deste post.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Vermeer



Em 1995 (a.I. ou seja, antes das facilidades da internet) tinha umas férias para tirar e fui para a Europa (primeira viagem com a futura patroa, precisava impressioná-la), começando mais precisamente em Amsterdam, onde eu tinha o firme propósito de ver o grande acontecimento artístico da estação: a esperada mostra do grande pintor holandês Johannes Vermeer (nascido em cerca de 1632, morto em 1675, em Delft) no Museu Muritshuis em Haia. Pela primeira vez 21 pinturas (das 30 atribuídas ao grande mestre) estariam reunidas num esforço conjunto de museus e colecionadores do mundo todo, entre os quais se inclui a rainha da Inglaterra.
Ledo engano o meu. Quando cheguei ao aeroporto, todas os escritórios de informação turística tinham o seguinte cartaz em seus guichês: “Vermeer is sold out”, como se o pintor que morreu na miséria aos 43 anos, deixando viúva e 11 filhos vivos, fosse um grande astro do rock, com concerto esgotado. Da pretensão original da viagem a única coisa que trouxe, além da paixão por Amsterdam como cidade incrível para se passar alguns dias, foi um estupendo livro comemorativo, meio que catálogo da mostra, que comprei numa livraria e que guardo feito relíquia, em minha estante.
Desde então tenho procurado o Vermeer nas escassas viagens que faço ao exterior, em museus em Nova York (tem quadros no Metropolitan e na Frick Collection), no Louvre (The Astronomer e The Lacemaker), além de revê-lo sempre que tenho vontade nos pixels da internet. Vermeer inclusive ganhou um filme específico (A Garota com Brinco de Pérola) e o grande e enigmático Peter Greenaway fez um filme todo baseado na estrutura de iluminação de Vermeer (em português o filme se chama “Um Z e dois Zeros” e é de 1985).
Por que escrevo isso? Ontem à noite a TV Cultura me chamou enquanto zapeava entre dois joguinhos muito ruins de futebol para ver a explicação do quadro “The Art of Painting”, um daqueles documentários valorosos e bem cuidados da BBC, que às vezes concorrem infrutiferamente com o Big Brother na atenção das pessoas. E o documentário me contou várias coisas que eu não sabia: que esse foi o único quadro dele que a esposa tentou salvar após sua morte, falsificando um documento em que ele o transferia para a sogra. Que o zeloso executante de seu inventário não perdoou , recuperou a tela e a leiloou para pagar dívidas. Que o quadro sumiu durante dois séculos para ressurgir na Áustria comprado por um nobre, por uma ninharia. Que ganhou grande fama e reconhecimento depois da invenção da fotografia, a partir de quando passou a ser possível julgar a qualidade pictórica e realista da inigualável arte de Vermeer. Que depois da invasão alemã de Viena o quadro foi disputado por Goering e foi finalmente subtraído por Hitler e utilizado como exemplo do modelo de arte superior ariana. Que foi preservado subterraneamente numa mina de sal, junto com mais 8.000 obras, para defendê-lo dos bombardeios aliados em Munique, que foi encontrado, nesta mina, num cofre pelos americanos e que hoje está de volta a Viena, como exemplo de como a arte supera a vida dos homens, suas ambições e suas misérias.
Em termos estéticos, a peça é uma obra prima de detalhes, com o uso da luz claro-escuro e de pontos de fuga para criar sensação de perspectiva (há inclusive um furo feito com alfinete logo abaixo da mão da figura feminina, utilizado para esticar barbantes que ajudavam o pintor a construir as linhas ortogonais da perspectivas). Mas a qualidade do quadro vai além de sua técnica. O sublime está na mensagem: o quadro mostra uma modelo posando para um pintor, com uma série de simbologias que retratam a oposição do catolicismo (Vermeer era católico praticante, papista) com o nascente protestantismo. Descobriu-se depois a simbologia relativa aos objetos e vestes da moça retratada: ela posa de Clio, a musa da História, segurando uma trompa (a fama) e um livro (o registro das coisas feitas na vida) e tem coroas de louros (a glória). O pintor só esboçou a coroa de louros em seu quadro que inicia dentro do próprio quadro (uma metalinguagem muito interessante). A glória do pintor (Vermeer) só será alcançada através da história. Assim foi. Assim é. Assim será. Como num frame de um filme do qual o quadro é apenas um instantâneo (comentário maravilhoso apontado por um dos especialistas no documentário).
Quer saber mais? Acesse este site aqui: http://www.essentialvermeer.com
Meu quadro predileto? A Vista de Delft (circa 1660-1661).

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Ah, a música



Quando comecei minha carreira profissional em comunicação, na Folha de S. Paulo, tinha duas horas de almoço, que na verdade a gente acrescentava mais 30 ou 40 minutos, já que normalmente a galera nunca saía do jornal antes das 10 da noite. Então uma de minhas maiores diversões, em companhia do Paulo Tigevski e do Gilberto Yudi, era explorar lojas de disco no centro de São Paulo. Era o tempo de engolir um prato feito na São João ou um sanduíche mequetrefe na 24 de Maio para incursões na Mesbla, Bruno Blois, Breno Rossi, sempre procurando preços defasados pela inflação e ofertas do tipo Clube do Disco da Mesbla (a cada 10 comprados, ganhe um; não importando qual o preço dos comprados e do brinde). Também nessa época descobri as lojas de novidades e de usados, como a Baratos e Afins do Luiz Carlos na Galeria do Rock, a Wop Bop e a Bossa Nova, que depois fizemos até uns trabalhos de propaganda, de tanto amigos que ficamos do dono. Bons tempos de chegar na Folha e a galera babar com minha coleção do Roxy Music em vinil, garimpada na loja de usados, alguns deles importados. Bons tempos em que a gente ia lá no Edgard Discos em Pinheiros para comprar discos pela conservação impecável e pela capa de plástico duro que ele não vendia sobressalente nem a pau, com sua mãe mau-humorada verificando se os clientes não estavam surrupiando os discos (o Edgard depois virou o personagem do filme Durval Discos e é tudo verdade).
Isso implica no fato de que a música sempre fez parte da minha vida e que minha coleção de vinis, bastante debilitada pela minha separação no começo dos anos 90, ainda resiste valente e valorizada aqui na estante de casa (quem tem Unforgettable Fire em vinil, com capa em papel especial? Hein? Hein? Quem tem os LPs do New Order ingleses com as capas mais maravilhosas do mundo?... eu tenho). Também tenho CDs e também tenho MP3s e na minha vida a música sempre toca. No carro, no micro, no iPod. É até estranho ser casado com a Sra. Esposa que é tão silenciosa e para quem música alta é um pouco de sacrifício. Já trabalhei em e para rádios, já conheci artistas, vi um show do Seal para 6 pessoas no Estúdio Transamérica, já fui nos shows mais espetaculares, naquela época em que a música era mais importante do que a cenografia. Mas aí já vira papo de velho, eu sei. (Outro dia fiquei pensando no show mais maravilhoso que já fui na vida: David Bowie no Wembley Stadium em 1987, The Glass Spider Tour e se eu puder dar uma lambuja, o show da Transamérica na Pedreira Leminski circa 1992, com Barão, Paralamas e Titãs e a logomarca que eu criei gigantesca, iluminada, nas paredes do anfiteatro de pedra).
Então, por eu gostar tanto de música, esse blog também fará algumas recomendações. Posso começar? Smoove & Turrell. Procurem (baixem, comprem, vejam no youtube, o que melhor os aprouver) Beggarman e You don’t know. Smoove é o arranjador. Turrell é o cantor com voz de R&B apesar de ser ruivo e gorducho, como todo bom inglês de Newcastle, divisa da Inglaterra com a Escócia (o site da gravadora fala em soul de olhos azuis). Beggarman, inclusive, conta com a aprovação de meu filho Número Dois, de quatro anos, que quando entra no meu carro sempre pede: “pai, quero aquela do yeah yeah yeah”. Aguardo adesões.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O comercial do Google.

Nas minhas aulas eu sempre discuti a possibilidade de se construir grandes marcas sem o uso da propaganda. Starbucks e Google sempre foram os casos mais apropriados para que os alunos visualizassem o poder das redes boca-a-boca e o trabalho eficiente de relações públicas voltadas a marketing sem a necessidade do uso de campanhas multimilionárias com uso de anúncios em mídia. Está certo, sempre é preciso refletir sobre a especificidade dos públicos e a diferenciação dos produtos, mas os casos estavam lá, evidenciados para nossa reflexão.
Minha ex-aluna Larissa Gios me mandou uma mensagem no twitter me chamando a atenção para o fato de que último Super Bowl veio romper com um destes paradigmas: o Google anunciou. Quem quiser ver o comercial, “Parisian Love”, ele está em http://www.youtube.com/watch?v=DxyVpSUw6Kg . É tão simples e despojado quanto o próprio lay-out da ferramenta de busca e conta uma história singela de um amor alimentado e sustentado pela busca no Google (a palavra final, crib, quer dizer berço).
O Super Bowl, para quem não sabe, é o evento publicitário do ano nos E.U.A. Os breaks da final do campeonato daquele futebol esquisito que eles jogam com as mãos são aguardados anualmente tanto quanto o jogo, porque apresentam o que há de melhor na produção de propaganda audiovisual norte-americana. Em primeiro lugar o custo da mídia é astronômico: uma inserção de 30 segundos passa dos 3 milhões de dólares. Em segundo lugar, virou uma tradição que as companhias façam anúncios específicos para este evento e existem até concursos sobre “o melhor comercial do Super Bowl”.
Tenho algumas curiosidades sobre sua exibição. Precisava ver como ele funcionou no contexto do break, em meio aos diversos outros comerciais. Mas certamente sua singeleza forneceu o contraste necessário para comunicar a essência do Google: simples, eficiente, necessário. E também tenha servido para que possamos refletir como esta ferramenta de busca atualmente impacta nossas vidas. Quem vive na internet, não vive sem o Google. De ferramentas de busca a tradutores, de mapas a referências acadêmicas, de emails a jogos, quase tudo está no Google. Não vou nem entrar na discussão relevante (outro dia volto a este assunto) sobre o tamanho deste poder, mas fiquei aqui refletindo sobre o fato do porquê o Google anunciou.
O anúncio certamente não foi feito para criar consciência. Será que existe alguém ainda no planeta que não saiba o que é o Google? Também acho que a dimensão conativa, ou seja, o estímulo à ação, também não esteja em foco. Claro que existe o aspecto do estímulo aos anunciantes do próprio Google (e esta dimensão está bem presente no comercial, prestem atenção na quantidade de links patrocinados que são apresentados e citados na peça). Mas eu desconfio que a dimensão mais importante da mensagem esteja no aspecto emocional. O Google surgiu de forma muito simpática. Criou-se e cresceu no ambiente de mentalidade de custo grátis da internet. Em ambientes dominados por cartéis como a Microsoft, quem não simpatiza por serviços inovadores, eficientes e que não cobram nada? Só que ultimamente o Google anda estendendo seus tentáculos e se tornando a antítese do que era. Existem brigas com o Google na área de direitos autorais, desde que a empresa resolveu digitalizar livros do mundo inteiro sem solicitar permissão a autores; surgiram também problemas de direitos de imagem, quando o Google resolveu mostrar cenas das cidades e de seus habitantes com carros que filmam o que acontece nas ruas o que, muitas vezes, pode constranger pessoas (como no caso do inglês filmado em situação delicada depois de uma bebedeira pelas câmaras do sistema e que foi reconhecido pelos amigos). E há também a dimensão da Google competidora na área de software e de hardware: a empresa agora entrou na área de celulares e de pads para leitura, o que transforma a natureza de sua estratégia inicial e implica num cenário concorrencial em que a marca Google tem que possuir dimensões afetivas e de valor reconhecidas além de seu negócio básico: a busca na internet.
Daí vem a utilidade da propaganda e da mensagem do comercial. Podemos lê-la da seguinte maneira: vejam como o Google é legal, como ele é simpático, como ele é indispensável, como os produtos que levam sua marca são confiáveis. A propaganda convencional, cuja eficiência vem sendo tão discutida nos últimos anos, agradece o reconhecimento de quem nunca tinha precisado da sua força e que até aqui tinha servido como paradigma de sua crescente obsolescência.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Insônia


Desenvolvi recentemente uma péssima mania de acordar de madrugada e vagar pela casa. O problema é que as madrugadas não oferecem muitas atrações quando se deixou de gostar de televisão, ou desgostar o suficiente para não querer ficar babando às quatro da madrugada com controle remoto na mão. Não aguento mais ler. Minhas lentes devem ter progredido um meio grau só depois das correções de provas de dezembro, destas férias estudiosas (14 livros lidos e fichados) e dos diversos muitos artigos que tenho revisado para congressos etc etc. Quanto à rede mundial de computadores que funciona ubiquamente, tenho observado mudanças sérias na minha forma de ver noticiário pós-internet. Tornei-me um viciado no instantâneo e quero as informações acontecendo profusamente, segundo a segundo. E elas realmente acontecem: temos uma legião de big brothers e outros quetais fazendo coisas o dia e a noite inteiros pra que o pessoal do outro lado do monitor observe. Mas de madrugada não temos jogos de futebol. As finanças mundiais ressonam em algum lugar, já que os cofres estão fechados. Algum assaltante especializado deve estar cavando túnel em algum lugar neste momento, mas isso ainda não é notícia. Ouça: uma sirene passa acelerada no meio da noite. Ambulância? Carro de bombeiros? Melhor ligar a internet para ver as notícias da hora.

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Deixamos o filho Número Um solto livre e lépido pelo hotel-de-praia-nos-cafundós-da-bahia na quarta à tarde para uma leve pestana depois do usual exagero no almoço. Um espírito Hardy Har-Har (a hiena chorante) baixou em mim: "isso não vai dar certo". Uma hora depois batem na porta do quarto: seu filho pisou num cacto lá na praia. Quando cheguei à enfermaria encontrei três monitores e um coitado dum hóspede médico com uma pinça na mão e uns 20 espinhos tirados e colocados ao lado do meninão de 40 kg e olhos vermelhos, fora o berreiro. Duro ser pai em férias nos cafundós da Bahia: nem pronto socorro tem pra gente visitar (se bem que um hotel metido a gente-fina poderia ao menos ter um enfermeiro de plantão). Quase infarto, mas meia hora depois o Mr. Paliteiro-nos-pés (sim, ficaram dezenas de espinhos, pequenos, a retirar mais tarde) estava saltitante na piscina e no dia seguinte jogava bola e manquitolava na quadra. Faz parte de ser criança: pisar em cacto e jogar bola depois. (Clique na foto acima e observe o curativo no pé esquerdo para ver se num é verdade). O corajoso infante voltou a SP com visita marcada no pronto socorro, o que se deu ontem, depois de intensas negociações. Entramos às 15h30. Saímos às 19h30, depois de 3 doses de soníferos, chutes em enfermeiras e na coitada da Dra. Paula (muito simpática e entretida no seu esforço caça-espinho), uma vontade paterna de cometer infanticídio e aliviados de umas 30 pequenas pontas de cacto importadas e transportadas desde a Bahia. Ainda faltam umas 20, mas essas aparentemente serão expelidas por conta própria. Ou não. Neste caso o método papai-tá-puto entrará em ação. Mamãe, me passe o estilete.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Data para o recomeço: sabadão

Sábado pela manhã e o painel de controle da vida começa a listar os compromissos pós-massacre do concurso falido e do final de férias. Agora sim, agora me encontro com metade da tarefa cumprida. Sou professor doutor de nada muito valioso e tenho sonhos de grandeza. Quando li a biografia do Fernando Pessoa me deparei com o retrato destas pessoas comuns que têm sonho de grandeza e enchem caixotes com papéis que acham que um dia valerão alguma coisa. Os textos do Fernando valeram de muito a tantos. Os meus textos eu vou amontoando aqui no escritório com a Sra. Esposa ameaçando o despejo se eu não colocar ordem. Mas têm tantos sonhos, essas coisas que escrevo...

Na semana das férias li "A Magia da Pixar" (depois comento) e também li “Olhe nos meus olhos”, livro de um sujeito diagnosticado com a Síndrome de Asperger (John Elder Robison), que é um grau leve do autismo. Sua vida de desvios emocionais, de uma família destroçada pelo alcoolismo do pai professor universitário e da mãe com desequilíbrio mental, me acompanhou pela praia e pela piscina com a família-de-pasta-colgate. O texto é bom. Mas as aventuras dele foram um tanto quanto despojadas de maiores detalhes, fiquei com a sensação de que o livro foi escrito para não chocar mulher e o filho. Mas seu relato tem uma boa dose de diferença da minha vida para valer a pena. Acho que essa é a chave do que busco em livros: as diferenças das experiências que mereçam atenção.

Quando penso na poesia reflito sobre a incapacidade de trilharmos as emoções diferentes, sendo pessoas comuns. Talvez a comunidade de nossos espíritos médios e sem sabor não forneça grandes chances de experiências dignas de serem relatadas. Fica aquela sensação de que a arte não foi reservada para homens de meia idade, com barriguinhas protuberantes, com orientação sexual ortodoxa e contas para pagar e declarações para entregar ao Fisco (apesar de termos tanto para contar). A arte fica então livre e oferecida para os desviados, os inconseqüentes, os que têm o que mostrar, o que perguntar, o que confrontar. E os demais compram livros em livrarias para experimentar aquilo que não foram capazes de fazer da sua própria vida. Ou então compram livros de auto-ajuda para se auto-ajudarem ao levar esta vida. Ou então compram livros de exemplos de pessoas bem sucedidas que levam esta vida e recebem dignidades por isso. O que quer que seja, livros são comprados e vendidos. E pessoas comuns se interessam sobre pessoas com a Síndrome de Asperger ou outra coisa qualquer mais interessante.

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Recomeço esse blog com a certeza de que agora é pra valer. E que preciso escrever como forma de comentar o mundo no qual transito sem muitas aspirações que não sejam escrever. Alivia um pouco.