sábado, 6 de fevereiro de 2010

Data para o recomeço: sabadão

Sábado pela manhã e o painel de controle da vida começa a listar os compromissos pós-massacre do concurso falido e do final de férias. Agora sim, agora me encontro com metade da tarefa cumprida. Sou professor doutor de nada muito valioso e tenho sonhos de grandeza. Quando li a biografia do Fernando Pessoa me deparei com o retrato destas pessoas comuns que têm sonho de grandeza e enchem caixotes com papéis que acham que um dia valerão alguma coisa. Os textos do Fernando valeram de muito a tantos. Os meus textos eu vou amontoando aqui no escritório com a Sra. Esposa ameaçando o despejo se eu não colocar ordem. Mas têm tantos sonhos, essas coisas que escrevo...

Na semana das férias li "A Magia da Pixar" (depois comento) e também li “Olhe nos meus olhos”, livro de um sujeito diagnosticado com a Síndrome de Asperger (John Elder Robison), que é um grau leve do autismo. Sua vida de desvios emocionais, de uma família destroçada pelo alcoolismo do pai professor universitário e da mãe com desequilíbrio mental, me acompanhou pela praia e pela piscina com a família-de-pasta-colgate. O texto é bom. Mas as aventuras dele foram um tanto quanto despojadas de maiores detalhes, fiquei com a sensação de que o livro foi escrito para não chocar mulher e o filho. Mas seu relato tem uma boa dose de diferença da minha vida para valer a pena. Acho que essa é a chave do que busco em livros: as diferenças das experiências que mereçam atenção.

Quando penso na poesia reflito sobre a incapacidade de trilharmos as emoções diferentes, sendo pessoas comuns. Talvez a comunidade de nossos espíritos médios e sem sabor não forneça grandes chances de experiências dignas de serem relatadas. Fica aquela sensação de que a arte não foi reservada para homens de meia idade, com barriguinhas protuberantes, com orientação sexual ortodoxa e contas para pagar e declarações para entregar ao Fisco (apesar de termos tanto para contar). A arte fica então livre e oferecida para os desviados, os inconseqüentes, os que têm o que mostrar, o que perguntar, o que confrontar. E os demais compram livros em livrarias para experimentar aquilo que não foram capazes de fazer da sua própria vida. Ou então compram livros de auto-ajuda para se auto-ajudarem ao levar esta vida. Ou então compram livros de exemplos de pessoas bem sucedidas que levam esta vida e recebem dignidades por isso. O que quer que seja, livros são comprados e vendidos. E pessoas comuns se interessam sobre pessoas com a Síndrome de Asperger ou outra coisa qualquer mais interessante.

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Recomeço esse blog com a certeza de que agora é pra valer. E que preciso escrever como forma de comentar o mundo no qual transito sem muitas aspirações que não sejam escrever. Alivia um pouco.

4 comentários:

Wandihkleysson disse...

Recomendação para quando o moleque estiver aprendendo inglês:

Mark Haddon - The Curious Incident Of The Dog In The Night-Time

É baratinha a edição de bolso. Também serve para adultos. Comecei a ler, mas o meu moleque sumiu com o livro.

Josmar disse...

Parabéns: você acaba de fazer meu primeiro comentário. Como brinde, você recebe, inteiramente grátis, um muito obrigado (brincadeira). Valeu pela dica, vou procurar.

Marcio disse...

o argumento me fez surgir a seguinte reflexão: existe um modelo padrão de vida ( dos filhos, da patroa, o das contas a pagar.), e existem aqueles que não se adaptam a esse modelo. Para este grupo: fica ou a glória e o glamour do sucesso de uma vida alternativa (em alguns pouquissimos casos); ou o mal julgamento, ou a não condição humana, as pontes e viadutos, a esmola e a cachaça, o esquecimento.

Unknown disse...

.........as nossas diferenças é que nos aproximam tanto.......!!!!!