segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Da série: “Isso não deu pra colocar no meu Lattes”



De vez em quando monitoro o que envolve meu nome na rede mundial de computadores. Já vi de tudo: um bandido alagoano homônimo, um rapaz que gosta muito da Brittney Spears. Atenção, detratores: esses daí não são eu.
Mas tem uma coisa que sempre vejo na internet envolvendo meu nome que me deixa bastante incomodado. Uma versão reproduzida a partir do site da Transamérica sobre a criação da logomarca do Tesão, que fiz por volta de 1986. Certamente este foi um de meus trabalhos de maior visibilidade e importância o qual, infelizmente, não posso colocar no currículo Lattes (pra quem não sabe, o Lattes é uma forma de comparar a produção dos professores e pesquisadores em termos de atividade acadêmica e não oferece muito espaço para o esforço da prática, o que é uma pena).
Então quero aproveitar a oportunidade para contar minha versão dos fatos e também para lembrar um pouco da história da Transamérica, da qual fiz parte por 8 anos. Talvez isso ajude os que procuram entender como uma equipe extremamente talentosa ajudou a fazer uma rádio inexpressiva se tornar um fenômeno de audiência, mais de 2 anos em primeiro lugar no Ibope, antes de ser devolvida ao limbo em tempos recentes.
Tudo começou com a nomeação de um executivo do Banco Real (o dono da Transamérica é o Aloysio Farias, fundador do banco) para avaliar e quem sabe vender a rede que não dava muito certo em todo país, apesar das excelentes praças nas quais estava presente: Brasília, Salvador, Recife, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Também pudera que não desse certo: a rádio era péssima, gravada, tocando música sem sabor e com locuções sem nenhuma personalidade (música mais velha, do tipo Tony Bennett, mas sem muita liga, brilho ou estilo). Em São Paulo a Transamérica ocupava o 14º lugar, entre 16 (as duas últimas sempre são a USP FM e a Cultura FM). Esse executivo se chamava Calil Bassit e sua maior qualidade era não entender nada de FM. Pois o Calil foi lá e pediu uma oportunidade ao Doutor Aloysio de fazer daquele negócio uma fonte de lucros. Ao recebê-la, o Calil se cercou de gente talentosa e constituiu-se no pilar, na alavanca de construção dessa marca, durante toda sua longa carreira à frente da Rede Transamérica, que chegou a estar presente em mais de 40 praças no Brasil, ao vivo e em tempo real, muito antes da internet.
Pela Transamérica passaram muitos profissionais de qualidade. Serei injusto, com certeza, mas lembro da influência do Marcelo Braga, do Luiz Flavio Guimarães, do Ricardo Henrique, do Acácio Costa, do Fernando Martos, os quais foram se integrando ao time e construindo a magia de uma rádio voltada ao público jovem, escrachada, bem humorada, com uma plástica diferenciada, com muito humor e cara de pau. Um fenômeno, do qual temos muitos ecos por aí no dial em todo o País (um dia volto a este assunto). Cheguei até essa equipe por meio de um dos primeiros coordenadores artísticos da Transamérica, o Luiz Fernando Magliocca, o qual por sua vez tinha conhecido na implantação do projeto da 89 FM, a rádio rock, logo depois de minha saída da Folha. O Magliocca é fera em rádio. E me convidou para ajudar na criação da personalidade dessa rádio jovem que o Calil queria fazer, em termos de comunicação.
Um dos maiores desafios em rádio é dar a personalidade visual para um produto que é só audição. E a logomarca antiga da Transamérica fazia jus à sua programação: era um arco em cinza e preto com pessoas reunidas em torno de um balcão, com algumas notas musicais e o nome escrito embaixo. Ou seja, negava todas as recomendações de uma marca: ter visibilidade, ser fácil de reproduzir (ampliar e reduzir) e de lembrar. O desafio então, era fazer uma logomarca jovem, bem humorada, escrachada e que fornecesse a dimensão visual para uma emissora que queria jantar as concorrentes (no caso e na época a Cidade FM e a Jovem Pan que, me perdoem os aficcionados, sempre tiveram péssimas logomarcas). Esse foi um grande desafio, para o qual desenvolvi mais de 20 alternativas, junto com o Gilberto Yudi. Para fazer a marca de uma rádio jovem, não mirei no que normalmente todo mundo fazia: copiar ou “inspirar-se” em logomarcas de rádios norte-americanas. Para pensar na marca da Transamérica pensei no público jovem, masculino, irreverente. E para isso fiquei pensando em bandas de rock e em logomarcas de loja de surf. Foram pelo menos 10 dias em busca de adesivos em carros, em lojas de shopping centers e muito rabisco. Até que veio a inspiração do “Tesão” como palavra-conceito, com grande força pela associação à sensação do prazer sexual e à primeira letra do nome de uma rádio que tem 12 letras (e na qual era proibido falar muito em “Transa”, que o Doutor Aloysio nem o Calil gostavam).
Então fiz assim: cores fortes (amarelo,vermelho e preto). Um quadro em volta pra indicar limite e um padrão de bolinhas repetitivas em preto sobre um fundo amarelo (os gozadores lá do Rio sempre me lembravam que a logomarca tinha parecença com o emplastro Sabiá). Em cima desse padrão de coisas previsíveis, sobrepus um grande “T” em vermelho,com sombra preta, feito a pincel pelo Giba, com a intenção de ser o inesperado, o agressivo, o desafiador do “tesão” de uma rádio que faria história. A tipologia que escolhi era Futura (sem serifa), mas o Calil precisou dar seu toque especial no trabalho (clientes!) e exigiu uma letra serifada (Imperial BT) com a qual se escreveu Transamérica FM, centralizada abaixo. Pelo que consta o seu Aloysio nunca gostou muito da marca (segundo o que me disseram, ele dizia que parecia uma tábua rachada). Mas ele pode ter certeza que a marca caiu em gosto popular e certamente foi um dos adesivos mais reproduzidos na história dos veículos de comunicação no Brasil, gerando uma parte do valor de seu negócio, o qual por sua vez tinha uma excelente programação no ar, consonante com a sua expressão visual.

***

Duas histórias engraçadas sobre o Tesão da Transamérica. A primeira envolve o primeiro lote de adesivos, produzido para carros: fizemos o fundo cristal e o nome da rádio em preto. Não pensamos que o fundo de todo carro é escuro, logo o nome da rádio sumia, apesar do Tesão vermelho sobre fundo amarelo se destacar. Precisamos fazer outro, com fundo em branco.
Outra história engraçada envolve o lançamento da rádio, muitos anos depois, em Belém. Quando estava no coquetel, aproximou-se o dono de uma rede de farmácias, meio constrangido, confessando que teria de trocar a logomarca de sua rede: ele tinha copiado descaradamente o T da Transamérica para as farmácias Tamandaré.

Glória ao espírito irreverente e desafiador. Tenho saudades da Transamérica, 100,1.

6 comentários:

Unknown disse...

Josmar,

Achei interessante essa historia sobre a logo marca da transamérica ... esse sempre foi um tema de meu interesse e poder entender melhor a forma como foi concebido achei 10 !!

Aguardo novas postagens nesse sentido !

Abs
José Rui (ex-aluno de mkt USP)

Anderson Diniz disse...

Que post!

Se o "tesão" ajudou (e muito) a Transamérica a ser o fenômeno que foi nos anos 80/90, ele é o responsável por fazer a marca Transamérica ainda hoje ser uma das mais valorizadas do Brasil, mesmo pertencendo a uma rádio que, infelizmente, voltou ao limbo (pelo menos se falarmos da tal "portadora" Pop).

É muito bom ler os detalhes desse momento tão importante da história da Transamérica, que acaba sendo um momento importante da história do rádio. Sem contar que essa é uma história que, até onde eu saiba, não foi contada em lugar nenhum!

Uma dúvida: nesse reposicionamento da Transamérica, a Manchete FM já estava caída? Em 1984, ela dividia o pódio em São Paulo com a Pan e a Cidade (que, apesar do número de aficcionados, chegou a ser menos lembrada que a Manchete).

Abraços!

Josmar disse...

Anderson, a Manchete teve um pico de audiência um pouco antes do fenômeno da Transamérica, por ser uma rádio que tocava dance e techno, num espaço que nenhuma outra ocupava. Mas durou pouco. Cidade e Jovem Pan sempre foram marcas de referência em termos de público jovem. A Transamérica surgiu para romper com os paradigmas.

Unknown disse...

Publicitário adora fazer publicidade de si mesmo. Eta ego!

Vamos lá. O que seria da Transa de ela não tivesse mudado de programação e estilo?

A seu favor só posso dizer que nunca ouvi a Transa, mas conheço muito bem a marca desde quando não sabia o que significava aquele tesão amarelo.

Então, primeiro o ovo ou a galinha? Primeiro o tesão ou a Transa?

sergio disse...

Também pudera que não desse certo: a rádio era péssima, gravada, tocando música sem sabor e com locuções sem nenhuma personalidade. Meu amigo...que sarcasmo. Estou procurando material de audio da transamerica do inicio até 1985, porque depois disso é um lixo. Locutores tagarelas e uma hora de comercial sem intervalo musical. E as musicas, jabá puro, digno do gosto brasileiro.

alnbastos disse...

Belo texto e parabéns pelo seu trabalho. Esse logo é lindo, deveria ser até hoje o símbolo da rádio. O logo atual é feio demais. Até hoje eu tento fazer esse logo no papel mas nunca consigo kkkk