sábado, 4 de junho de 2011

Querida Presidenta Dilma

Como vai?  Queria dar uns palpites na sua política, falar do Palocci, mas antes de mais nada acho importante esclarecer alguns pontos.
Porque quero deixar claro que não votei na senhora, porque não gosto muito das práticas do grupo político que a cerca, apesar de ter de reconhecer que a opção que nos foi apresentada não era bem uma opção. Ô partidinho ruim, esse tal de PSDB, com seus caciques que não têm a menor idéia do que seja eleitor, que não têm claramente uma proposta política a não ser: Aécio, Serra ou Alckmin? Quem faz política a partir de nome de candidato, fica refém de vaidades pessoais e não arregimenta seguidores de idéias e valores.
Quanto ao PT, sabe como é, aquelas histórias lá do mensalão, do dinheiro na cueca, dos aloprados, dos filhos do ex-presidente e suas ligações com a Brasil Telecom, das consultorias do Zé Dirceu pro Carlos Slim, sempre me incomodaram. Não porque o PT seja diferente do resto que está aí, mas especialmente porque é igual. Fico um pouco triste pelos muitos amigos que tenho e que acreditam no Partido porque eu também, lá pelos idos de 81, quando era um universitário recém chegado em São Paulo, fiquei deslumbrado com o ideário de um partido honesto, comprei e usei brochinhos com as estrelinhas e vibrei muito com a eleição dos primeiros deputados, dos primeiros prefeitos. Mas depois, pouco a pouco, fui me afastando porque comecei a perceber que alguns poucos estavam ganhando muito com a boa vontade alheia. E que em algumas questões, ideologicamente, eu não me alinhava com as propostas da galera.
Bem, isso é coisa democrática, não é mesmo? Porque apoiar ou combater propostas é típico de um mundo no qual não devem existir visões únicas ou pratos prontos; em que a gente pode debater idéias, ganhar eleições, perder eleições, e com essa alternância de poder a gente vai evoluindo como país. Agora a senhora é presidente (ou presidenta, como prefere). Logo, a senhora comanda o Estado e deveria ter uma visão que está acima de todos e que deve governar para todos, não importa se tenha mais ou menos cabelo, se freqüente esta ou aquela religião, se goste ou não goste da senhora.
Como disse, não votei na senhora, mas reconheço que seus primeiros meses de governo me surpreenderam positivamente. Taí: um monte de coisas que foram propostas e encaminhadas seriam exatamente como eu faria. Veja só um exemplo: o aeroporto de Cumbica. Temos lá um engarrafamento de aviões, um caos que só tende a piorar na medida em que mais concidadãos conseguem comprar passagens e viajar. Como resolver isso? Com baixa capacidade para investimentos por parte do Estado, um sistema viciado de concorrências, empreiteiras e políticos? Isso não funciona, a gente já sabe. Melhor fazer como a senhora propôs no mês passado: vamos fazer uma parceria público-privada e mandar bala. Porque coisas assim não podem esperar. Se o Brasil, pobrezinho, complicadinho, arruma 1 bilhão para fazer um estádio para a Copa pela vontade daquele que a gente bem sabe, porque não podemos usar essa mesma energia , digamos construtiva, para resolver coisas tão importantes como aeroportos e estradas?
Aliás, eu, se fosse a senhora, me afastaria da mesquinharia partidária, aproveitaria que ninguém dava nada por mim antes da posse e começaria um governo especial, para entrar na história. Não como uma primeira mulher presidente, como foi repetido infinitamente na campanha. Mas como um ser humano competente, patriota, incomodada com a miséria, com a violência, com a corrupção, com o atraso, com a  burocracia. Que grande chance, não é mesmo? Se os enfrentamentos fossem duros (e tenho certeza que seriam), o povo estaria do seu lado. E povo aí falo de uma forma ampla: povo no sentido de povo brasileiro, sem distinção de classe social, região, religião ou simpatia partidária. Porque, veja bem, o povo brasileiro do qual eu venho, tem grande apreço a valores como a coragem e a honestidade. E um efeito do governo de seu antecessor  é, ao mesmo tempo, sua maior oportunidade: o antigo presidente bagunçou o sistema partidário e, ao transferir o poder, lhe deu a oportunidade de refundar a política. Eu penso nela de forma plural, cujo foco poderia ser, por exemplo, de um lado pessoas honestas e do outro pessoas desonestas. Sim, porque eu acredito que existam pessoas honestas e bem intencionadas com as quais a gente poderia enfrentar essa lamaceira de Brasília. Tenho a senhora do lado das pessoas honestas, até prova em contrário.
Se tudo desse certo, lá no futuro eu ficaria muito feliz de ver meus netos andando pelas avenidas e viadutos “Dilma Roussef” que seriam inaugurados. Bem, pode me chamar de ingênuo, mas eu continuo acreditando que a senhora ainda tem uma grande oportunidade.
 Voltemos ao motivo desta cartinha: o Palocci. Que carinha complicado, não é mesmo? Não bastasse a lambança que ele fez no passado (lembra? Casas suspeitas pra políticos, violação dos dados do coitado do caseiro que confirmou a história?), lá vem o cara de novo, com mais história mal contada. Dona Dilma, quer um conselho? Aja como uma estadista. Livre-se dele. Não fique refém da situação. Sua missão tem que ser muito maior do que fechar os olhos para um sujeito que, de uma hora para a outra, ficou milionário prestando consultorias para empresas as quais se recusa a dizer o nome, que tipo de serviço prestou, quanto recebeu. Isso não cheira bem. Veja só: o cara em quatro anos fica milionário e de repente, por total altruísmo, larga toda essa riqueza, fecha a empresa e vem para o governo, levar uma vida franciscana, pelo bem do país? Putz, tem que ter muito amor à Pátria. E não combina bem toda essa dedicação religiosa ao bem da Nação, enquanto se compra apartamento de 5 milhões nos Jardins. Na minha cabeça eu sempre penso assim: quem compra apartamento de 5 milhões precisa mantê-lo. Precisa pagar condomínio, quem limpe os vidros, as contas de gás, luz, telefone, tevê a cabo. Isso custa caro. Especialmente para quem não tem mais empresa de consultoria para lhe fornecer recursos.
Bem, meu ponto é o seguinte: como diz aquele ditado muuuuito antigo, à mulher de César é preciso ser honesta e parecer honesta. No caso, esse ministro simpaticão, boa gente, não me parece capaz de parecer nem ser nada disso. Se a senhora for fiadora dele, já estraga sua oportunidade bem no comecinho. E deixa crescer o apetite daqueles todos que ficaram muito felizes com essa crise aí. Gente do seu partido que discorda do Palocci. Gente que não é de seu partido mas que vende apoio nas horas difíceis. Gente que gosta de ver a casa pegando fogo para ganhar com isso. Não sei o quanto a senhora gosta desse ex-médico sanitarista que se tornou especialista em finanças de uma hora para outra, a ponto de virar ministro da Economia e dar consultoria para o mercado de capitais. Vai por mim: mande ele pra embaixada de Roma. E toque o barco. Pense na avenida Dilma Roussef.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

La Sebastiana



Neruda queria uma casa em Valparaíso, de frente para o Pacífico. Uma sua amiga descobriu um projeto semi-acabado, começado por um construtor espanhol chamado Sebastián, em uma encosta alta, de onde se podia ver o porto e o mar. O construtor não tinha mais dinheiro e queria passar a obra para frente. Neruda e Matilde compartilharam seu sonho com outro casal, que ficou com a parte debaixo. Eles ficaram com a parte de cima, cinco andares todos voltados para o oceano. No dia da inauguração ele leu o poema que transcrevo a seguir. A folha em que ele o escreveu em tinta verde está no escritório, quinto andar, numa mesa que li com meus filhos e minha mulher. Com eles compartilho minhas casas e meus sonhos.

Para “A Sebastiana”
                                                                          
Eu construi a casa.

Primeiramente fi-la  de ar.
Depois hasteei a bandeira
e deixei-a pendurada
no firmamento, na estrela,
na claridade e na escuridão.
Cimento, ferro, vidro,
eram a fábula,
valiam mais que o trigo e como o ouro,
era preciso procurar e vender,
e assim um camião chegou:
desceram sacos  e mais sacos,
a torre fincou-se na terra dura - mas isto não basta, disse o construtor,
falta cimento, vidro, ferro, portas -
e nessa noite não dormi.

Mas crescia,
cresciam as janelas
e com pouca coisa,
projetando, trabalhando,   
arremetendo-lhe com o joelho e o ombro
cresceria até ficar completada,
até poder olhar pela janela,
e parecia que com tanto saco
poderia ter teto e subir
e agarrar-se, por fim, à bandeira
que suspensa do céu agitava ainda as suas cores.

Dediquei-me às portas mais baratas,
às que morreram                                                                   
e foram arrancadas das suas casas,
portas sem parede, rachadas,
amontoadas nas demolições,
portas já sem memória,
sem recordação de chave,  e disse: “Vinde
a mim, portas perdidas:
dar-vos-ei casa e parede
e mão que bate,
oscilareis de novo abrindo a alma,
velareis o sono de Matilde
com as vossas asas que voaram tanto.”

Então a pintura
chegou também lambendo as paredes,
vestiu-as de azul-celeste e cor-de-rosa
para que se pusessem a bailar.
Assim a torre baila,
cantam as escadas e as portas,
sobe a casa até tocar o mastro,
mas o dinheiro falta: faltam pregos,
faltam aldrabas, fechaduras, mármore.
Contudo, a casa
vai subindo
e algo acontece, um latejo
circula nas suas artérias:
é talvez um serrote que navega
como um peixe na água dos sonhos
ou um martelo que pica
como um pérfido pica-pau
as tábuas do pinhal que pisaremos.

Algo acontece e a vida continua.
A casa cresce e fala,
aguenta-se nos pés,
tem roupa pendurada num andaime,
e como pelo mar a primavera
nadando como uma ninfa marinha
beija a areia de Valparaíso,
não se pense mais: esta é a casa:
tudo o que lhe falta será azul,
agora só precisa de florir.
E isso é trabalho da Primavera.

NERUDA, Pablo, Plenos Poderes, Tradução de Luís Pignatelli, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1962, p.73.

domingo, 24 de abril de 2011

Comentários sobre o Chile




Fiquei impressionado com a limpeza, com os prédios sem muros ou grades, nem porteiros, nem sistemas de segurança. Calçadas largas, pessoas civilizadas. Meu filho contou o número de mendigos que viu: 5, ao longo de uma semana. Dá certa inveja e certa amargura com o Brasil.

O Ricardo Freire, do blog Viaje na Viagem, matou a charada: quem vai a Santiago procurando Buenos Aires, não vai encontrar o estilo romântico e interessante dos portenhos, sua arquitetura parisiense, sua altivez arrogante. Encontrará um país que se moderniza rapidamente, com um povo mais contido e mais focado, que mira no Oriente para exportar e enriquecer. O seu Gérson, meu companheiro de viagem, decretou: a Argentina é um país que já foi rico e que não aprende a ser pobre. O Chile é um país pobre, que está aprendendo a ser rico. De fato, o enriquecimento é visível, apesar de certa ostentação. Por exemplo... um empresário maluquete alemão constrói um prédio de 73 andares em plena Las Condes. Nada demais, se não se tratasse de um país no qual se experimentam cotidianamente terremotos. Eu, por exemplo, nos dias em que estive lá, vivenciei dois (de 5,7 e de 5,3 pontos, respectivamente). O que seria grande notícia no Brasil,no meio da tarde tornou-se nota de rodapé nos sites chilenos, tão banais são tais eventos no Chile.

Mas é bom não esquecer: estamos falando de um país de 17 milhões de habitantes, com um território sui generis em todo o mundo. Da beira do mar à divisa com a Argentina, na latitude de Santiago, deve ter no máximo 200 km. Ao norte estão sentados em cima de uma das maiores minas de cobre do mundo, minério que exportam sem dó, em forma de matéria prima bruta, sem qualquer processamento. Além disso se tornaram tigres exportadores em outros produtos naturais de valor agregado alto, como frutas, vinhos, salmões e peixes e celulose. É possível perceber que o turismo também entrou na pauta central da atividade econômica no país. Ou seja, muitas fontes de receita, poucos para alimentar.

Os chilenos sabem disso e se vangloriam. No congresso que fui vi algumas palestras de alguns consultores pop stars da administração chilena. Um deles, baixinho, de óculos vermelho, afirmou de maneira impositiva: hoje temos 15% de pobres. Em 5 anos não teremos nenhum pobre. É uma boa perspectiva. E bastante factível. Apesar desse otimismo, não vi em momento algum ambição industrial nas estratégias do país. Nem uma visão de melhoria em serviços (em padrão bem abaixo do que estamos acostumados no Brasil). Nem uma pretensão tecnológica mais avançada, com exceção à pauta de exportação atual (frutas e vinhos produzidos com alta tecnologia e muita pesquisa). Dentro das ambições de potência do Brasil, isso soa meio estranho. Mas também pode ser muito bom: o Chile pode se tornar um país ecologicamente mais viável, com crescimento sustentado, sem grandes neuras ou ambições, mas bem de vida, como um fazendeiro próspero que não tem inveja do primo que vive na grande cidade.

No fim de tudo, vale a pena falar sobre a imagem dos brasileiros no Chile. Duas histórias. A primeira delas contada pelo motorista que nos levou a Valparaíso e Viña del Mar. Don Davi já teve um Astra e um Corolla e agora tem uma van Hyundai. Ele tem a seguinte opinão sobre os carros brasileiros importados no Chile: "sem querer falar mal da sua indústria, mas acho que o governo brasileiro obriga as fábricas internacionais a usar componentes eletrônicos do seu país. Por isso os carros quebram, especialmente em comandos eletrônicos, que acho que não são adaptados ao clima chileno. Carros coreanos e japoneses não quebram. Por isso cada vez menos chilenos compram carros do Brasil". Outro caso engraçado contado pelo motorista de táxi que trouxe Seu Gérson do aeroporto ao hotel: um dia ele perguntou a um hóspede brasileiro sobre o que achava do hotel onde estava hospedado. A resposta de nosso patrício: "é muito bom, o problema é que tem muito brasileiro".  O motorista achou engraçado e depois repassou a história para outro passageiro, argentino, que assim retratou o que muito dos nossos amigos que falam castelhano acham dos que vivem aqui na terra na qual em se plantando tudo cresce e floresce: "é, nem eles se aguentam".

quarta-feira, 2 de março de 2011

A nova devassa


O assunto do verão no ano passado foi a visita de Paris Hilton ao nosso carnaval, ao mesmo tempo em que promovia a estréia da marca Devassa nas grandes redes de varejo, em marketing para as massas (Devassa é marca de charmosos botecos cariocas, uma microcervejaria com um antigo excelente slogan: "aqui se faz, aqui se bebe", aquisição mais ou menos recente do grupo Schincariol). Tem um post antigo, bem mais para baixo, que fala sobre minha relação de afeto com esta marca e o estrago que se fez com ela.

Este ano a mágica do buzz se repetiu com o anúncio da Sandy como nova "loura" (?) e "devassa" (???!!) para o carnaval de 2011. A antecipação da notícia pelo twitter do Luciano Huck gerou um burburinho tal que o assunto liderou os trending topics desta terça feira pré-carnavalesca. Instantaneamente a "Sandy devassa" alagou as redes sociais, mais do que enchente do aricanduva. Ponto para o pessoal de relações públicas da Schin, que fez a máquina da comunicação se pôr em movimento.  O assunto deu motivo para muita discussão e piada (a melhor de todas é de minha aluna Priscila: "se a Sandy é devassa, eu sou o quê, então?"). E isso tem tudo a ver com o marketing, é claro. O assunto inclui-se no tema da super manipulação da variável promocional do composto de marketing, em detrimento de todas as demais. Ou seja, naquele lenga-lenga de que comunicação e marketing não são sinônimos, que não podem ser tomados um pelo outro. Ou então, melhor: de que não se deve jogar toda a responsabilidade na comunicação, se as demais (preço, distribuição, o próprio produto) não conseguem acompanhar a excitação que a comunicação pode despertar. Tipo assim: botar anúncios no Jornal Nacional para produtos que não tem disponibilidade na gôndola do supermercado. Ou então superpromover coisas que não têm muita qualidade. Ou como já li alguma vez (me foge o autor da pérola): nada é mais efetivo para matar um mau produto do que boa propaganda. Nos tempos atuais, substitua "propaganda" na frase por "comunicação integrada".

Neste instante, por exemplo, contemplo a foto da peça promocional em que Sandy com seus lindos e meigos olhos negros segura um copo de cerveja e se nos oferece, numa péssima relação de adequação celebridade / produto. Até o decote (??!!!!) é patético e não funciona, tirando a piada de que "todo mundo tem um lado devassa".Quem gosta de publicitês, pode ter gostado.

Meu aluno Edmilson me chama a atenção de que a campanha serve muito mais para a Sandy tentar se reposicionar do que qualquer outra coisa. É verdade. Mas também aí não funciona. Não sei se estou sendo demais exigente na análise, mas ninguém me convence que a Sandy vai virar o copo que está segurando. Na verdade tenho a sensação de que ela faz grande esforço para mantê-lo entre as mãos, que tem vistosas unhas vermelhas pintadas.

O que fico imaginando é se essa campanha funciona com os heavy users, com a galera que compra cerveja de engradado nos carrefours da vida. Penso nos homer simpson de pirituba olhando esta peça e considerando a possibilidade de comprar cerveja. Ou então na moçada da balada, que na hora de escolher cerveja, tem que chegar no balcão e pedir uma "devassa". Ano passado houve um efeito experimentação claro. Todo mundo adora novidade e o produto teve relativa boa saída. Mas, como em todo processo de compra repetida, parece evidente que o consumidor não voltou. E quem me disse isso foi a variável preço. O produto que era vendido a R$ 1,45 a latinha, alguns meses depois estava na pilha da liquidação a R$ 0,85, ali perto da Belco.

Para não me alongar muito na conversa, aproveito para constatar que jornalista que fala sobre negócios precisa estudar mais o que é marketing. Marili Ribeiro, que escreve no Estadão (muito bem, por sinal), hoje comete o seguinte: "O filme comercial que lança a campanha na televisão tem vida curta. Ficará no ar apenas 15 dias. Apesar do marketing, a cerveja conseguiu uma participação pequena no segmento – hoje é inferior a 1% do mercado total". Obrigado pela informação relevante, dona Marili. Mas o que a senhora quis dizer com "apesar do marketing"?.  Talvez o que se tentou dizer foi: apesar do buzz marketing, o produto não se ajuda muito. E aí não adianta trazer nem a Lindsay Lohan de garota-propaganda.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O discurso do paraninfo



Meus caros colegas, pais e convidados. Queridos alunos e alunas.

Vocês não têm idéia de como fiquei orgulhoso e feliz por ter sido escolhido o paraninfo da turma de Rádio e Tevê, Publicidade e Propaganda e Editoração das Faculdades Integradas Rio Branco. É um privilégio participar desta noite especial e uma honra por representar todos os meus colegas que estiveram com vocês ao longo da jornada de quatro anos. Mas esta também é uma oportunidade pessoal. Vocês criaram a chance para que eu me despedisse da instituição que fez parte de minha vida – e vice-e-versa -  nos últimos nove anos.

Como quase todos vocês sabem, desde dezembro não faço mais parte do quadro de professores das Faculdades. E confesso que, dois meses depois de sair, já estou com muita saudade da Rio Branco: uma escola séria, correta, empenhada que, tenho certeza, vocês guardarão para sempre com carinho e com orgulho. Para vocês terem uma idéia, até da secretária da sala dos professores, a Édila, eu sinto saudade!

Por sinal, hoje é sexta-feira e são nove da noite. E vocês não estão em sala de aula! Não é legal? Mas neste instante lá no campus estão os professores, coordenadores, a Édila e o pessoal de apoio, todo mundo está trabalhando... até o pessoal da cantina está lá, fazendo o melhor que pode.  Podia ser um pouco mais depressa, é claro.

Lá também estão outros alunos. Alguns começando, outros concluindo. Todos eles cumprindo um ciclo que para vocês acaba oficialmente hoje.

Vocês conseguem lembrar de quando chegaram na faculdade? Aqueles que tiveram aula comigo no primeiro ano devem ter me ouvido dizer o seguinte: "aproveitem estes anos, que serão os melhores de toda a sua vida". Aproveitaram? Espero que sim. Porque esse tempo passou e vocês mudaram. Não, vocês não têm noção de como mudaram. Perguntem pra sua família, para seus amigos, para seus namorados. Eles dirão que vocês mudaram fisicamente, espiritualmente, intelectualmente. Alguns se apaixonaram, alguns viajaram, outros casaram, muitos arrumaram empregos, mudaram de penteado, perderam cabelo, engordaram, emagreceram, compraram um carro, aprenderam a dirigir, foram pra academia, mudaram o conceito sobre tantas e tantas coisas. Todos fizeram amigos que serão para sempre. E tenho certeza que vocês nem se tocaram que nos primeiros dias de aula, lá em 2007, esses caras aí, que estão do seu lado neste palco, eram completos estranhos para vocês.

Também aposto que vocês não prestaram atenção em de como o mundo mudou nesse tempo.

Nessa época, em 2007, ninguém imaginava que o Obama seria o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Muito menos que a Dilma seria a primeira mulher presidente do Brasil. Nem que inventariam esse tal de Ipad. Não prevíamos a extinção da exigência do diploma de jornalismo. Nem que falaríamos de coisas como o twitter ou o facebook. Era a época do orkut, lembram? Pouco se discutia sobre tv on demand, sobre a decadência da propaganda tradicional, sobre as novas formas das pessoas lerem, se informarem e se entreterem. Rede social era provavelmente só uma forma de descansar na varanda de casa.

Na hora em que escrevia esse texto fiquei imaginando o que vocês sentiram em dezembro, depois que leram as suas derradeiras notas no sistema. Pelo que conheço de vocês, meus alunos, deve ter ocorrido uma mistura de comemoração, alívio e vontade de ajuntar textos, cadernos, pendrives e fazer uma fogueira no quintal ou na área de serviço. Esta sensação de liberdade, de dever cumprido, de etapa vencida é a que predomina instantaneamente. "Acabou", muitos pensaram. E estou aqui para dizer que vocês estão enganados. Acabou nada, galera.

Uma formatura é muita coisa. Mas também é quase nada. Não é um documento oficial que fará vocês serem diferentes. Vocês é que devem saber que estão diferentes.

Deixem-me contar uma história: quando terminei meu doutorado brincava com meus amigos que, proclamada a aprovação, abrir-se-ia um portal de luz e um etê do outro lado, me chamaria, "venhaaa... venhaaaa". Não, não há portal de luz, nem nada muito especial depois da colação de grau. O que há é só vocês. E isso já é muita coisa. Vocês com suas ansiedades, seus problemas, a consciência dos limites, suas dúvidas, seu talento, sua disciplina, sua vontade de fazer as coisas acontecerem, sua perseverança.

O que vocês recebem agora é um diploma. Um papel com muitos significados. E talvez o maior deles seja que vocês têm capacidade de cumprir prazos, tarefas, objetivos e, no caminho, crescerem intelectualmente, como seres críticos e cidadãos que entendem sua relevância para a sociedade.

O nosso trabalho para chegar até aqui, o da Rio Branco, se encerra hoje. Mas a tarefa continua. E agora é só com vocês.

Talvez a partir de agora comece a fazer mais sentido toda a exigência, todo o rigor, as tarefas, os exercícios, os projetos, as provas, enfim, aquilo que os alunos costumam chamar de "inferno". E vocês verão como é engraçado, como a gente muda de perspectiva, dependendo da situação.

Hoje vocês estão mudando de perspectiva. E o que vocês querem da Rio Branco? Que ela continue uma escola empenhada em fazer o melhor, que exija mesmo, que não dê diplomas a qualquer um, porque afinal das contas, é assim que o seu próprio diploma vai valer mais.

Eu vou levar essa marca para toda minha vida. No meu currículo. Na minha memória. Na minha emoção de ter tido vocês como meus alunos. Vocês, a partir de agora, são responsáveis pela qualidade do que fizerem. Vamos combinar: é um acordo que nos unirá, todos nós aqui, para sempre. Eu faço o melhor que posso. Vocês fazem o melhor que podem. E isso será bom para todos vocês, quando disserem que eu fui seu professor. E para mim será muito importante, saber que um dia dei aulas para vocês. Ninguém pode deixar essa peteca cair.

Tem um aluno que vocês nem conhecem, do primeiro ano da Rio Branco, que nesse instante está sentado numa das cadeiras de uma certa sala espelhada, vendo aula, respondendo chamada, ou na fila da cantina, que confia muito em vocês. 

Eu também confio demais em vocês.

Parabéns e muito obrigado pela oportunidade que me deram de vir aqui e desejar boa sorte, queridos alunos, queridas alunas.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A perda da máquina fotográfica.


Antes de continuar a ler, você sabe onde estão sua máquina e seu celular, neste exato instante?

Bem, o assunto aqui é nossa fixação pelo registro de imagens. A máquina fotográfica particular, portátil e razoavelmente descomplicada, é uma invenção típica da modernidade e da sociedade de consumo. Quando em 1888 o norte-americano George Eastman lançou um dispositivo capaz de fazer com que leigos capturassem e fixassem imagens, na verdade criava uma nova indústria e mudava um pouco de nosso modo de entender e nos relacionarmos com o mundo. Em cinco anos, 90 mil Kodaks baratas foram vendidas , na mesma época em que surgiam o cinema, o rádio e o fonógrafo.

Meu doutorado é sobre a imagem, por isso pesquisei um bocado sobre como nossas formas de estar no mundo escoram-se na capacidade de produzir formas de representação visual, tanto da realidade factual quanto da imaginada. Tem uma citação do Ramesh Raskar, pesquisador e professor do Media Lab do MIT, que acho resumir bem o estado das coisas: "não se trata da mera expansão quantitativa das imagens. O fato novo é o relacionamento das pessoas baseado cotidianamente no registro e na ânsia de consumir imagens". Por isso cada vez mais ipads, celulares, facebooks e a internet facilitam esse trânsito de fotos capturadas de maneiras simples e descomplicadas, inacessíveis à imaginação de nossos antepassados.

Outro dia na festa de Bodas de Prata de amigos fiquei contemplando o paradoxo deste mundo do registro: enquanto o casal renovava seu compromisso de amor, em uma cerimônia religiosa tocante e sincera, fotógrafos e videografistas tomavam a frente, dando as costas para as pessoas que estavam ali para presenciar. Ou seja, no momento mais tocante da cerimônia, todos vimos apenas os ternos alugados dos profissionais empenhados na captura das preciosas imagem. E, se os que estavam ali eram os que respeitam e compartilham a felicidade dos esposos, para quem então eram produzidas estas fotos e vídeos? Para eles mesmos? Para os que não estavam ali? Para os que estavam ali reverem?

Escrevo sobre este tema depois de superar o luto pela perda (ou roubo, sei lá) da minha máquina fotográfica Nikon Coolpix no penúltimo dia de minhas férias na Bahia. Quando nossa família se deu conta da perda, mais à noite no quarto do hotel, grande comoção se abateu sobre todos nós. Na memória da máquina estavam fotos preciosas, momentos que escolhemos entre tantos para guardar e rever. Fotos de nosso trabalho (meu e dos meus filhos) pintando paredes. Das festas do final de ano. De minha viagem à Alemanha. Da própria viagem, como as fotos que tirei da moqueca na Barraca da Maria Nilza na praia de Guaiú . Dos meninos na piscina, dos meus barquinhos revistos no rio João de Tiba. Que tristeza! Reviramos todos os lugares do quarto, conversamos com gerentes, funcionários, hóspedes, ofereci recompensas, voltei à vila onde estivera na parte da manhã. Nada. Nem traço. A sensação foi horrível, além da perda material e afetiva, também da violação de nossa vida nas mãos alheias.

No filme Blade Runner (e também no livro do Philip K. Dick que baseou o filme do Ridley Scott, "Do androids dream of electric sheep?") há esta discussão sobre implantes de afeto nas mentes, baseados em associações a imagens. Os replicantes andróides do filme de ficção científica, criados por uma corporação, não sabem direito se são humanos ou máquinas da biotecnologia e têm especial afeto por fotos que demonstrar suas existências como seres. Com as fotos eles têm história, têm memória, têm referências. As imagens estão ali para comprovar. As minhas estão em algum lugar da Bahia. Cuidem bem das suas.

P.S.: Alguém por acaso viu ou encontrou uma Nikon Coolpix pretinha, com minhas fotos. Se encontrar, eu recompenso. A última vez que a vi foi em Santo André, na Bahia.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Todos os comerciais do Super Bowl


Outro dia dona Esposa passou aqui na frente do computador e me disse: "tanta coisa pra fazer, e você aí, vendo filminho?". Difícil explicar que parte de minha profissão é ficar atualizado sobre uns filminhos que muitas vezes consomem milhões de dólares para sua produção e veiculação. E, no caso, dos comerciais do Super Bowl, trata-se do suprassumo da produção publicitária mundial, aguardada quase tão intensamente quanto a audiência espera pra ver brucutus se pegando naquele campo esquisito com um garfo espetado de cada lado, vá entender!

Bem, pra quem gosta de produção publicitária, o endereço pra ver todos os comerciais exibidos no Super Bowl 2011 é o seguinte: http://adage.com/superbowl/article?article_id=148677

Não quero atrapalhar a sua própria experiência, mas vou lá dizendo  do que gostei mais: os comerciais do Doritos pela idéia (especialmente o do dedo), o Cowboy da Budweiser,  a animação do comercial do Beetle, a qualidade da cinematografia do comercial da Chrysler (de longe o apelo emocional mais interessante de todos), o comercial da Pepsi do primeiro encontro e a peça da própria NFL promovendo a importância cultural do evento. Espere até o final para ver a piada. Para entender o caminho da comunicação publicitária recente: quase todas as peças propõem o humor como gancho e serve cada vez mais para a função entretenimento da propaganda, como bem comentado pelo Bob Garfield na coluna pós-evento.  Alguns comerciais péssimos (para o tanto de investimento feito): o da e-trade, dos bebês, provavelmente idéia do sobrinho estagiário do dono da empresa ("vamos usar um bebê? todo mundo presta atenção em bebês!") e o da Groupon.

Se você for lá ver, aproveite e comente ao que achou aqui.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Meu caro Wandyhkleisson


Tomo mundo tem seu crítico inseparável. O Pinóquio tinha o grilo falante. O Batman tinha o Alfred. O Lula tinha o Diogo Mainardi. Eu tenho o Wandyhkleisson.

Não sei de onde ele apareceu, quais as conexões que nos aproximam, mas o Wandy (acho que posso chamá-lo assim), está sempre de olho no que escrevo no blog, lê os comentários e sempre sapeca críticas piores que as da minha mulher, com a desvantagem que ele não me ajuda a pagar as contas aqui de casa (a parte do sexo, é claro, melhor nem pensar). Precisei até tirar alguns desses comentários dos posts (que pena, seriam úteis para ilustrar meu ponto de vista) porque, sinceramente, não é muito agradável manter um blog para se chamado de marqueteiro pequeno-burguês, falastrão, leitor da Veja, revisionista, tucano etc. etc., se bem que ele possa ter razão.

O Wandy parece ser boa pessoa, gosto de verdade dele, apesar de achá-lo um pouco iludido. Pelo que li, ele é daqueles que ainda acreditam que os dólares encontrados na cueca do assessor do Genoíno eram realmente para pagar despesas de campanha. E também acha que o Lula é um ex-operário de esquerda, sem perceber que nos últimos 40 anos o companheiro tornou-se um político profissional com excelente capacidade de comunicação, mas aferrado às benesses do poder como todos os demais, que adora cartão corporativo, charuto, avião particular, evidência na mídia e amizade com o Eike Batista.

Por exemplo da encanação comigo (como se algo eu representasse de importante nessa engrenagem...): no dia da eleição presidencial o Wandy me mandou uma extensa mensagem dizendo que ia votar, orgulhoso, na mulher que agora nos dirige, que representava a vitória do presidente pau-de-arara (nas suas próprias palavras) contra a elite tucana, formada por doutores que tinham levado o Brasil ao atoleiro, do qual a companheirada tinha vindo nos salvar. Wandy não percebeu direito que ia votar numa egressa do brizolismo, que tem lá alguns probleminhas éticos com um pretenso diploma de doutora em economia pela Unicamp. Ou seja, uma belíssima representante do status quo, que aos poucos vem se implantando nas nossas instâncias de pudê, diga-se na administração da Previ, nos Tribunais de justiça, nos órgãos reguladores do mercado financeiro. Esforço esse mancomunado com figuras dignas e empenhadas de nossa vida, tais como Zé Sarney, Edson Lobão e Michel Temer.  

Wandy, para sua alegria, devo reconhecer que tenho gostado da administração da Dilma, com a vantagem que ela não nos aborrece falando baboseira na mídia todo dia e é muito mais simpática que o Zé Serra (se isso pode ser considerado um elogio).

Entretanto, fico curioso para saber a opinião do Wandyhkleisson sobre um fato recente de nossa vida republicana.  Wandy, o que você achou da notícia de que algumas semanas antes da eleição o Senor Abravanel tenha visitado o Duce de Garanhuns e o encadeamento posterior dos fatos? Refiro-me  às semanas seguintes nas quais o Jornal do SBT tenha sido o único a noticiar com ênfase a tal da "bolinha de papel" na testa do Serra. Também gostaria de saber o que você achou sobre as instâncias feitas pelo Banco Central para que o Fundo Garantidor de Crédito salvasse o Banco Panamericano, sem que o referido apresentador tenha perdido qualquer parte de seu patrimônio? Um rombinho aí da ordem de 4 bilhões de reais. São ilações, talvez desprovidas de sentido, concordo, mas há algo que cheira mal na res publica, que transcende o modesto blog do professor Josmar.
 
Pergunto por esse canal, porque o único probleminha que sinto nesse meu relacionamento com o Wandy é sua falta de nome e sobrenome. Não temos, digamos assim, contato mais efetivo. E eu não me sinto confortável ao falar com personalidades etéreas, típicas dessa nova era em que "o aqui e o agora" são diferentes de como me acostumei no passado. 

A falta de nome e sobrenome nas coisas que se escreve, nos pensamentos que se têm, é uma das pragas dessa modernidade mediada por elétrons. Eu ainda não acho que possamos prescindir tão rapidamente de coisas escritas a tinta em coisas que durem, mesmo que seja só uma folha de papel. Wandy, concorda que fica difícil? Como argumentar, como discutir com alguém que pode falar o que quiser, sem a pena da responsabilidade, mesmo afetiva, pelo que disse? Eu, da minha parte, preferia falar com alguém que tivesse um nome. Prosaico, Antônio, por exemplo. Ou então mais complicado, como Lafayette, cheio de ipisilones e tês duplos. Mas pelo menos um crítico para chamar de meu, com algum nível de intimidade. Wandyhkleisson, definitivamente, não dá.