CPTM
O trem que me leva até a universidade é, ele próprio, uma universidade. Sentar, ouvir, aprender. Contemplar o mundo que passa pela janela e prestar mais atenção nas pessoas ao redor.
Por exemplo: ali ao fundo há uma mulher com um casaco azul que não fecha. Mesmo que ela quisesse não fecharia, dado o tamanho de seus seios. Ela usa um colar enorme, dourado, com um pingente também grande, na forma de uma maçã. A seu lado o rapaz bem acima do peso, que usa uma polo Lacoste, ressona, enquanto segura com força sua bolsa de couro. Mais longe uma mulher tricota um cachecol preto e branco. Estou só no banco. E então sentam-se minhas personagens. Elas não têm nome. Uma de frente, outra ao meu lado. As duas mulheres são negras. Uma delas leva uma grande bolsa e abre pacotes com bijouterias folheadas a ouro. "Não desbotam, que nem aquelas porcarias chinesas". A que está ao meu lado chegou apoiando-se numa bengala. É bem magra. Usa uma blusa de tricô laranja e uma saia florida, cujo fundo predominante é cor-de-rosa. Tem o cabelo tingido em uma cor que vai do amarelo ao marrom. Ouço sua história e suas perguntas: "quanto custam (as bijouterias)", "quanto você gastou?". E então responde as perguntas de sua companheira de viagem e eu vou descobrindo seu drama. Teve dois AVCs. Tem 3 filhos, dois meninos e uma menina. "Meu bebê faz aniversário esta semana, 33 anos". Que perdeu o marido. Que ficou em uma cadeira de rodas. Que quando ficou no hospital depenaram sua casa. "Não sobrou nada, levaram até o fogão, imagina". Que a filha veio cuidar dela, mas que depois de alguns meses mandou ela embora: "imagina, tem filho, tem marido pra cuidar". Que já enfrentou o pior da vida, mas que agora agradece todo dia. Cada dia é uma benção. E que Deus está restituindo suas coisas, aos pouqinhos. Que queria tanto ter dinheiro para comprar umas joias assim, douradas, bonitas, como as que a colega usa. Que mora no Camargo Velho, que tem uma carroça. Mas que já entrou com os papéis. Que tem 53 anos. Minha idade, ela tem.
Depois fica em silêncio. Abre a grande bolsa que colocou no chão. Tira um livro. Leio na capa, "A Igreja na Era do Gelo". Ela então começa a ler e a entoar uma música, bem baixinho, quase que murmurando, entre o balanço rítmico do trem.
Eu aprendo. Toda vez aprendo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário