domingo, 3 de julho de 2016

COMPRAR PÃO

Acordo e vou para a rua: caminhar para perder peso, comprar pão para ganhar tudo de volta. Combino a missão: caminhar, dar uma volta grande pelas ruas do bairro, e depois passar na padaria. Subo a Angélica e há um vazamento intenso de água limpa naqueles registros externos de uma loja. Paro. Tento avaliar se posso resolver. Alguém forçou as emendas dos encanamentos e a água vaza. Claro que não tenho competência hidráulica para resolver isso. A loja é uma daquelas que abre aos domingos. Alguém virá para resolver esse problema que não é meu.
Continuo subindo. Uma mulher que caminha com seu cachorro viu minha ação e comenta: "você conseguiu? Eu também tentei". Respondo que não consegui. Que deve chegar alguém. Que dá imensa dó. Ela, a mulher do cachorro responde: "isso mesmo; dá muita dó perder a água limpa. Deve ter sido algum mendigo para beber água ou lavar a roupa. Mas dá dó".
Subo com culpa por não conseguir resolver o problema da água que escorre pela calçada.
Contorno a praça Buenos Aires duas vezes e há dois mendigos completamente alheios ao mundo de gente que corre, que passeia, que pensa em água escorrendo. Teriam sido eles? A pergunta é secreta, somente dentro da minha mente. Eles são engraçados: amarraram um cachorro nas grades do parque e bebem algo suspeito em uma garrafa de coca-cola. Uma moça passa por mim com medalha no peito. Uma corredora com medalha, participou de algumas destas corridas que são comuns aqui por perto, no meu bairro. Acho engraçado ela caminhando com aquela medalha dourada imensa no peito. Uma grande vitória, que não terei ao final da minha caminhada em torno da praça. Na segunda volta os mendigos estão sentados. O cachorro se coça. A garrafa de coca-cola está jogada no meio-fio.
Continuo meu caminho de pensamentos deixados para trás e sigo pelas ruas deste pedaço de São Paulo. Passo pelo prédio do Vilanova Artigas que certa vez precisei analisar em trabalho de semiótica. Sempre passo por esse prédio e não vejo graça nenhuma nele. "Tenha paciência: com tanto prédio mais interessante para analisar!". Desço pelo  Samaritano. Um casal se aperta na frente da porta de vidro para tentar enxergar algo dentro de um edifício comercial. Nomes de médicos. O casal tenta descobrir o nome de algum médico que trabalha ali.
Chego à padaria para comprar os pães. Para mim os pães falam quase tudo o que sinto por São Paulo. Um pacto. Uma confraria de costumes e esquisitices. Paulistanos e seus pães com manteiga, suas xícaras de médias (meio café, meio leite) em um domingo de manhã. Paulistanos que caminham que caminham, que levam os cachorros para passear, que se condoem da água limpa escorrendo pela calçada. Na fila do caixa uma cliente reconhece o sotaque da atendente: "é pernambucana? eu também". E então começam a falar sobre como deveria estar gostoso na Boa Viagem agora. Com sol e calor. Seguro meu pacote com pães quentes e penso em como é relativo esse negócio de "gostoso".
Finalmente consigo sair de novo para a rua e encontro dois vizinhos que levaram o cachorro para passear. Eles sorriem e me apoiam na caminhada. "Faz bem pra saúde". Eu sorrio de volta e não falo da água, dos mendigos, da mulher com a medalha no peito, do prédio do Vilanova Artigas, do casal na porta de vidro, da pernambucana na fila. Isso não importa. Quase nada importa. Eu registrei no meu cérebro e agora escrevo aqui.
Muito mais importante é o pão que levo para o café da manhã. Para passar margarina em pedaços generosos. Para acompanhar minhas xícaras de café no domingo da cidade em que as pessoas se amparam nas caminhadas. Muito mais importante é esse pão que levo.

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