sábado, 6 de março de 2010

Restaurant Week

Na porta do elevador mamãe terminando de arrumar os brincos, o menininho de 4 anos atrás:
- Onde vocês vão? Quero ir com vocês.
- Papai e mamãe vão sair. Criança pequena não pode ir.
- Vocês vão ver Avatar? Quero ir com vocês.
- Não, não vamos ver Avatar.
- Então onde vocês vão?
- Vamos num lugar.
- Qual lugar?
- Chama AK Delicatessen.
- Acá dequicatessen?
Papai e mamãe vão tentar jantar, na sexta feira à noite, estimulados por esse esforço de marketing de serviços, a Restaurant Week. O papinho é sempre o mesmo: menus com entrada, prato principal e sobremesa a preço fixo de R$ 39,90 em alguns restaurantes importantes e charmosos (entre muitos outros não tão convidativos, inclusive muitas pizzarias). Na verdade esse é sempre o chamariz, lá no restaurante o que acaba prevalecendo é o cardápio vistoso, carta de vinhos, e lá vai nosso equilíbrio econômico-financeiro para o buraco. O evento é meio cópia de coisas semelhantes que acontecem em Nova York, em Los Angeles e outras cidades européias.
Nossa dúvida era entre a Vinheria Percussi, La Vecchia Cuccina ou o restaurante judaico chic AK Dequicatessen, como diria o filho número 2. Escolhemos esse último porque fica perto de casa e porque sempre quisemos experimentar o cardápio, de tanto que passamos lá na frente. Ajudou muito na decisão as fotos do site. Dava vontade de mastigar o monitor. Tentamos ligar muitas vezes para reservar mas o telefone dava direto na caixa postal. “Iiiiih, será que eles não trabalham na sexta-feira... não é dia de descanso judaico?”. O Guia do jornal disse que não; o restaurante, já disse, é judeu contemporâneo.
Ficamos de encontrar um casal de amigos lá e rumamos pra Consoleta, a nova região charmosa de São Paulo ao lado do cemitério da Consolação, com muitos restaurantes, que fica cada vez mais parecida com a Recoleta de Buenos Aires, também com restaurantes e mesinhas emoldurando com vida o lugar onde mortos descansam. Aí começa a lição do marketing para refletirmos. Eventos desse tipo servem para estimular demanda, mas será que quem participa está preparado para o que vai acontecer com jornais, revistas e sites bombando e chamando consumidores? Parei o carro e perguntamos para o manobrista “tem muita espera?”. “Meia horinha, doutor, mas se quiserem perguntar deixa o pisca alerta ligado”. Sra. Esposa vai até lá e volta com a informação: meia hora que nada, a previsão era de uma hora e meia de espera. O manobrista solícito-até-demais começa a influenciar no funcionamento do mercado: “Doutor, se vocês preferirem tem um restaurante bem bacana vizinho, bem bom mesmo, eu levo o carro!”. Eu confesso que sou meio reticente com essas indicações, ando um pouquinho com o carro e mais à frente ligo para os amigos que estão vindo. Vindo? Não, eles já chegaram. Sim, o restaurante está lotado, eles já sabem. O manobrista indicou um restaurantezinho bacana aqui do lado pra eles também. Eles já foram. Bem, estamos indo pra lá.
Muitos praticantes de marketing enfrentam isso todo dia: estimulam a demanda mais do que deveriam, criam expectativas que não podem atender e esses consumidores que, então, passam para seus concorrentes. Podemos ver a coisa pelo lado positivo: que bom que pessoas estão consumindo, que bom que novos restaurantes tenham a chance de ser provados e que bom que o manobrista ganhe sua comissãozinha (mas eu queria mesmo era comer aqueles pratos maravilhosos que tinha visto na tela do computador).


Becco 388 (R. Mato Grosso, 388) é um novo restaurante bem bonito (40 lugares, mais ou menos), decoração descolada, cujos donos - depois procurei no gugou – são dois chefs jovens que trabalharam em noviorque.
Alguns comentários sobre o restaurante e sua comida: o serviço poderia ser um pouquinho mais discreto, menos “vendedor”. Detesto esses couverts que se resumem a um pedacinho de manteiga e dois pãezinhos minúsculos e que custam R$ 8. Tá bom, a comida é contemporânea, mas a fome é renascentista. Melhor pedir entradas, então. Nossos amigos elogiaram por demais as massas (papardelle) e a Sra. Esposa gostou do risotto de costela, tirando o excesso de cebolas empanadas por cima, que ela detesta (a cebola). Eu fiquei feliz com meu milanesa com purê de batata doce, se bem que o bife poderia ter ficado um pouco mais sequinho e mais macio. A conta foi honesta e a noite uma delícia, com um casal de amigos que gostamos de montão, falando de filhos, de restaurantes e de viagens, como todos paulistanos em noites de sexta-feira, evento que faz um pouco da magia da minha cidade. Destaque para a participação especial, argentina ,de um Masí Paso Doble e um Luigi Bosca Malbec Reserva, tintos. Mais Consoleta impossível.

3 comentários:

Unknown disse...

A melhor comida é a que se come com muita fome, a melhor bebida é a água que se bebe com sede, a melhor trans...

O resto é tudo papo de publicitário querendo vender estilo de vida. E os trouxas caem nesta de que o chef trabalhou na Big Apple, que o ambiente é descolado, que a comida é honesta, que o vinho é perfeito.

Uma cidade tão feia e descuidada - ou descuidada, portanto, feia - só pode oferecer estes refúgios de encontro de amigos e/ou de ostentação de poder e riqueza. Depois é sair pelas ruas pisando nos sem teto que dormem na calçada.

Anônimo disse...

Wandihkleysson se acertei no seu nome! Esse seu comentario foi muito compativel a seu nome !!

Unknown disse...

Anônimo, mas certamente identificou-se.