quinta-feira, 4 de março de 2010

Devassidão

Já que o tema pulula na mídia pós-carnaval e interessa para quem estuda comunicação de marketing, seguem reflexões desordenadas sobre Paris Hilton e a bebida alcoólica derivada da fermentação de cereais que deveriam ser maltados.

Devassa era uma marca maravilhosa, com o espírito do boteco carioca. Para quem não teve o privilégio de tomar umas olhando a praia no Rio de Janeiro, fica o saboroso slogan: “aqui se faz, aqui se bebe” (eu queria ter criado). Na verdade nunca soube direito se era um boteco espetacular no qual se servia boa cerveja ou se era uma excelente cerveja que se bebia num ambiente muito legal.


Aí a Schincariol comprou. Na sua política de incorporar cervejas Premium e diversificar o portfólio, cujo carro-chefe é uma marca que faz muita espuma mas nunca engrenou como sinônimo de qualidade, os empresários de Itu entraram firme e abarcaram a Baden Baden de Campos de Jordão e a Devassa carioca. Pensei comigo, na época... “iiihhhhhhh”.

Vamos então à campanha. Paris Hilton é sempre chamariz. Mas como disse um dos fundadores originais da marca sobre a campanha, o trade-off envolvido foi a perda da carioquice da marca. Devassa e Paris Hilton deveriam combinar bem. Ou, como eu pergunto em sala de aula, há ajuste de compartilhamento simbólico entre celebridade e marca? Loura, sem-vergonha, bonita. Pelo menos uma coisa é garantida: vai chamar atenção.

O programa de comunicação integrada foi muito bem realizado pela agência Mood. Embalagem especial, ponto de venda especial, relações públicas a serviço do marketing, com quilômetros de centimetragem em mídia, filme ousado na tevê e – como brinde – Paris Hilton de vestido transparente e calcinha fio dental de quatro no camarote do Carnaval carioca para os fotógrafos se esbaldarem. Pura devassidão.

Problemas surgem quando concorrentes, ongueiros e outros cidadãos entram no Conar reclamando do excesso de erotismo associado a campanha para vender bebida alcoólica. Públicos jovens adolescentes expostos a estas campanhas podem ser estimulados, por meio do apelo sexual, a consumir um produto do qual se espera consciência e reflexão no consumo e nas campanhas que promovem o consumo. Belo discurso na teoria, é claro. Mas na prática é só a Devassa que faz isto? E os milhares de anúncios com gente meio pelada na praia e cantoras de axé convidando pra farra regada a cerveja? Isso pode?

(Parênteses: quer coisa mais condenável do que a lata da Brahma com o escudo da CBF? Pense na relação esporte, em época de copa do mundo,, e álcool que existe nisso).

O Conar é um mal necessário. E é sempre reativo. Ele age depois que a campanha foi ao ar. Se não fosse assim, seria censura (proibida em nossa Constituição). Se não fosse assim, facilitaria em muito a vida da concorrência. O Conar é um belíssimo discurso da autorregulamentação e da maturidade do setor, ao qual o publicitário sempre recorre quando acuado. Mas se a questão fosse muito mais séria, a campanha já teria ido ao ar e causado o impacto irreversível, faz é tempo.

Bem, o que descrevi lá em cima como sendo problema, na verdade é tudo o que uma marca chamada Devassa poderia esperar. Mais quilômetros de centimetragem e debates sobre a campanha. Boca a boca. Repercussão. Se possível regados a cerveja. A grande malandragem é que a expectativa da proibição do Conar já implicava numa estratégia. Tinha até filme preparado para entrar no ar pós-suspensão.Ishperteza pura.

A questão central continua a mesma, com ou sem proibição do filme pelo Conar. A coisificação da mulher como pedaço de carne para vender cerveja. Há um tempo atrás houve outra pérola: a Kaiser distribuía tampinhas com fotos de mulheres, como promoção para compra do produto. Quer coisa mais discutível do que oferecer coleção de foto de mulher em tampinha pra marmanjo comprar cerveja? Mais açougue impossível. Fora o uso do apelo sexual pra qualquer coisa. Daqui a pouco teremos desfiles de lingerie para vender plano de saúde. Mulheres de baby doll para vender salgadinho.

Há por fim aquilo que ninguém fala, mas que todos sabemos: o comercial da Devassa não pode, certo? Mas se a gente fizer um comercial com monges e freiras rezando e colocar no Pânico, no Big Brother Brasil ou em outro programa com gente de bunda de fora, aí pode?

Para completar, fico com o que o genial Tutty Vasquez escreveu hoje no Estadão: quando a Devassa lançar a cerveja escura, a campanha terá Naomi Campbell? E não deveríamos abrir um Programa de inclusão universitário nos moldes dos Pro-Unis da vida para as louras burras? Cartas para a redação.

(P.S.: nada disso faz sentido se as vendas dessa cerveja não empinarem. Se no ponto de venda o consumidor continuar comprando outra marca, tudo isso foi só ressaca de carnaval).

2 comentários:

Unknown disse...

Tava esperando vc postar algo sobre a Devassa no blog, realmente a campanha foi um sucesso, no twitter não se comentava outra coisa a não ser a "bem misteriosa".
O Conar proibir a propaganda por seu conteúdo sexista e desrespeitoso à mulher é o cúmulo, pois todas as marcas de cerveja fazem o mesmo.
Acredito q por ser uma cerveja potencial para roubar mercado das grandes, a concorrência "caiu matando" para impedir a campanha; e como sempre, quem fala mais alto é o mais forte.

Unknown disse...

Quer discutir ética e moral em casos publicitários? Até os banqueiros do Lehman Brothers são (foram) mais éticos que os publicitários.

Falar em "coisificação da mulher como pedaço de carne para vender cerveja" é papo de feminista, amigo gay ou concorrente preocupado.

A questão é mais séria. Mulheres gostam de ser coisificadas, brigam para ser coisificadas e aprendem a ser coisificadas desde menininhas. A que não quer rebolar como madrinha de bateria, quer ir no show da Xuxa peituda de silicone (ou similar atual).